Açougue 1:4

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- Açougueirozinho miserável! - disse a velha, sacodindo o saco com a carne que comprara pela manhã. - Isso não é peito!

Todos os outros clientes, insatisfeitos, tinham sido atendidos. A velha ficará por último.

Allan observou enquanto ela bufava e sacodia o saco a sua frente, do outro lado do balcão. Uma pequena poça de sangue começava a se formar na parte interna da sacola.

- Isso é um desparate! Eu vou denunciá-lo, sua besta!

"Como se fizesse a maior das diferenças nessa vida de merda. Me denunciar e acabar com todas essas 'regalias' ? Vai em frente, é um favor que me faz".

- Eu sempre me perguntei como um sujeitinho como você tinha conseguido um cargo tão importante. Certamente você não dá o mínimo de valor para o que tem, a julgar por essa sua cara nojenta.

A velha atirou o saco com a carne recém comprada em cima do balcão de atendimento.

- Exijo meu dinheiro de volta!

- Não devolvemos dinheiro, senhora...

- Não me interessa o que vocês não fazem, seu verme estúpido e fedido! Você vai, sim, me devolver meu dinheiro ou irei imediatamente à junta municipal abrir uma denúncia contra seu serviço. Você sabe o quanto eles são rigorosos com açougueiros...

- Senhora...

- Calado, verme!

A velha lhe lançou um olhar de extrema reprovação. Mediu Allan com os olhos até onde o balcão a frente lhe permitia visão.

"Eu devo ter feito muita merda na vida. Muita merda".

- Gente como voce não deveria nunca ter escapado após o corte. Foi muita sorte ter conseguido um emprego de Açougueiro, quando na verdade você deveria ter sido enviado aos Santuarios. Um lixo igual a você, que outra serventia teria? Mas não. Devem ter notado algo especial... Eu só queria entender o que foi que viram...

"No passado diziam que eu fodia bem. Talvez seja isso, sua velha puta e frigida".

-... Não. Estavam enganados. Não há nada demais com você. Você é só mais um verme afortunado que escapou do corte.

E gargalhou. Forçadamente. Exibindo ainda mais dentes amarelados e podres.

- Esse governo é realmente uma mãe pra gente como você, que não teria a menor condição de viver no novo mundo. Mas se Deus quiser, isso há de ser corrigido. As pessoas estão passando fome. Eles não podem se dar ao luxo de, simplesmente, ficar fazendo caridade.

"Uma mãe. Somente uma velha sebosa como você pra achar que o governo de hoje faz caridade por alguém".

- E seus pais? Digo, você tinha pais, não? Eles escaparam? Ou já viraram farinha? Espero que tenham dado a eles serventia melhor do que deram a você. As pessoas estão passando fome, você sabia disso!?

"Verônica".

Allan virou as costas e voltou pra dentro da area de corte de carnes. Pegou a faca que deixará em cima da bancada, ainda suja de sangue do serviço da manhã.

- Vamos, mocinho! O que você está esperando?

Allan contornou o balcão e parou de frente com a velha.

"Você é mais feia de perto. E você também fede".

Com um movimento preciso e rápido, Allan abriu um corte na garganta da velha, que desabou no chão com um baque oco e um guinchado. Esganiçou. Parecia que tentava falar, ou gritar por socorro, mas tudo o que conseguia era expelir uma quantidade maior de sangue pelo corte fundo em sua gasganta. Os olhos reviraram, a poça de sangue aumentou. E, aos poucos, a velha foi ficando imóvel.

Allan a agarrou pelos tornozelos e a arrastou para os fundos do açougue, deixando um rastou grosso de sangue no caminho.

"Porca pesada. Deve estar estar se sentindo feliz. Você deveria estar se sentindo feliz. E privilegiada. As pessoas estão passando fome, você sabia disso?"

Allan fez força para colocar o corpo da velha em cima da bancada metálica. Com precisão, abriu um corte que ia da clavícula ao umbigo, enquanto o sangue escorria pelos veios metálicos da bancada para ser armazenado em um balde de ferro. O sangue também era comercializado.

Olhou para os seios da velha. Depois focou em seus olhos, revirados pra cima. A língua pendia desajeitada dentro da boca esticada em um grito surdo. Ainda vertia uma quantidade pequena de sangue pelo corte da garganta.

"Gado".

Enfiou os dedos por dentro do corte que havia feito no corpo da velha. Empurrou a mão na direção das costelas, através das entranhas.

"Músculo. Músculo. Tendão".

Allan sabia o que estava fazendo. Já o fazia há muitos anos, naquele momento. Levantou os olhos e observou pelo vidro retangular que dava visão à frente do açougue. Alguém tinha entrado.

- Tarde. - disse ele, ao chegar próximo a bancada de atendimento. - Está meio sujo. Cuidado com o pé.

A mulher a sua frente mal parecia ter notade a considerável quantidade de sangue no chão, ao entrar. Olhou para o chão com pouca importância. Ajeitou uma mecha de cabelo loiro atrás da orelha e voltou a encarar o Açougueiro.

- O que você tem hoje? Eu quero algo barato.

Allan lançou um olhar por cima do ombro, pra dentro da área de corte do açougue.

- Temos panturrilha. E antebraço.

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