Os apitos soavam altos através das caixas de alto falante espalhadas pelo Santuário. Todos os quartos tinham uma caixa e todas as áreas comuns tinham várias. Alto falantes e câmeras. Eles vigiavam tudo.
3 apitos pela manhã significavam a hora de acordar; 3 apitos a noite e era hora de dormir. Cada 1 apito durante o dia marcava uma troca de atividade.
Seren Joy olhou para as algemas geladas apertadas em seus pulsos.
"Merda barulhenta".
Olhou ao redor em meio a escuridão. Não enxergava um palmo a sua frente, ali, sentada no canto de uma sala vazia da ala C, que havia sido fechada recentemente para reformas.
Iriam construir um abatedouro novo. A produção estava a todo vapor nos últimos meses, reflexo de uma tecnologia moderna recém implementada no santuário. 9 anos era o que demorava, ali, para um ser humano chegar a idade do abate.
Isso aliado àqueles que chegavam às centenas, todos os dias, não deixavam a Engrenagem parar.
Serena sentiu o suor escorrendo. Uma gota gelada no meio das costas. Solitária como ela se sentia naquele momento.
Um esboço de claridade começou a iluminar o infinito escuro a sua frente. Bem fraco de início, foi se condensando lentamente até que fosse, por um instante, um quadrado iluminado no chão a frente da porta da sala, através da pequena janela - para então voltar a se liquefazer e diluir. Borrão. Escuro.
A ronda passava a cada 30 minutos. Serena sabia porque estava ali há 9 horas e tinha contado. E também porque a vida dentro do santuário era toda na base do relógio. Apitos. Relógio. Controle.
E como a ala estava fechada para reforma, a iluminação a noite era desligada por economia. Nunca se gastava mais do que a energia elétrica essencial. Tinha tornado-se muito caro manter lâmpadas acesas.
Os guardas andavam com lanternas de corda pelos corredores escuros da ala C, sempre em duplas, e com armas de choque na cintura.
Sozinha no escuro novamente, Serena sabia que não poderia ficar ali para sempre. Logo amanheceria e ela seria descoberta, quando os operários voltassem às obras.
Se é que já não tinham dado por sua falta, no dormitório.
"Nao deram! Essa é minha única chance".
Levantou-se e olhou as correntes nos pulsos, mais uma vez, que naquele momento assumiam um tom vermelho arroxeado onde o metal pressionava fixamente a pele. Elas eram sua principal preocupação. O menor barulho em uma ala silenciosa e escura denunciará sua presença de imediato.
Por isso tinha apertado as algemas o máximo que conseguiu, a fim de diminuir a folga com a pele. Segurou os elos da corrente que uniam as duas mãos e respirou.
Dentro de sua cabeça, Lara sorriu o sorriso iluminado do domingo de sol, às 6h45 da manhã, quando ela costumava acordar. Corria pela casa para acordar Serena. Iria fazer sol! E como naqueles dias era muito difícil de se ver o sol, esse era sempre um bom motivo para se alegrar.
"Preciosa..."
Serena andou cautelosamente pela sala, tateando de leve a parede para encontrar a porta. Há muito já tinha se livrado dos sapatos e meias, portanto não se preocupava com qualquer barulho que seus passos pudessem fazer.
Encontrou a maçaneta. Girou. Click.
Click. Click. Click..........
Seu coração parou por um instante. A testa enxarcou de suor.
O eco da porta se abrindo ecoou pelos corredores por 1,5 segundos. E esse foi o tempo que Serena teve para tomar uma decisão, enquanto seu corpo lutava com o choque de ser pega.
Não seriam misericordiosos. Nunca eram. Essa palavras não existia mais em nossa língua.
E se eles não tivessem escutado? Bom, então teria uma chance, afinal. Só precisava voltar para o canto escuro da sala e esperar a próxima ronda passar, dali à 28 minutos.
Entao poderia tentar sair novamente, com mais cautela dessa vez.
Mas se tivessem escutado o eco da porta, encontrariam-na reclusa no canto escuro de uma sala. Frágil. Largada. A espero de seu trágico fim.
Ao passo que se saísse pela porta, para onde iria? Os corredores eram todos muito escuros e somente um milagre poderia guiá-la para fora do santuário.
Tentar escapar durante a noite talvez não tivesse sido a melhor ideia, afinal. Talvez esconder-se na ala C não tinha sido uma boa ideia. Talvez deveria ter planejado melhor sua fuga. Ter sido mais precisa nos detalhes.
"Pressiosa..."
Quando o coração de Serena pareceu voltar a bater, após aquele micro segundo que deixa a gente sem fala, ela voltou a si ofuscada pel luz branca e forte que entrava pela janela de vidro a sua frente.
A mão parada na maçaneta virada.
Escutou o barulho da corda que alimentava a lanterna.
Rec. Rec. Rec.
"O qu..."
A porta abriu-se com violência e arremessou Serena pra trás. Caiu de lado e as correntes, tão cuidadosamente seguras, antes, tilintaram no chão de piso frio.
Somente algumas horas depois, sentada em uma cadeira de metal, com as mãos algemadas às costas, é que Serena se daria conta de que seu micro segundo de choque, com o click da porta, durara bem mais do que 1,5 segundos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Éden
HorrorA extinção das abelhas foi um marco na história da humanidade. Pouco se falou do assunto nas redes sociais da época até que ele fosse irreversível. E quando noticiado, o país estava efervecendo em uma forte onda conservadora. As abelhas não eram im...