There's Nothing Holding Me Back

Paris

Ruggero:

Odeio vôos de madrugada.

Não apenas por estragarem meu já complicado horário de sono, mas também por que tudo que pode dar errado no aeroporto acontece durante a madrugada. Avião atrasa, pista fecha, tripulação muda. Para piorar, Valentina está quase abrindo um buraco no chão de tanto andar.

Valentina Zenere, minha melhor amiga, também conhecida como a impaciência em pessoa. Penso em reclamar e pedir para ela parar, mas sei que não adiantaria, então apenas suspiro derrotado. Se o cabo do meu notebook não tivesse quebrado exatamente ontem, eu poderia estar como o Lino: com os fones de ouvido e fingindo estar fazendo algo importante para não ter que ouvir as reclamações de Valu.

Preciso comprar um cabo novo quando chegarmos a Paris. Se chegarmos a Paris.

Encosto ainda mais na pilastra atrás de mim e fecho os olhos lembrando de como acabei aqui.

Há uma semana estava tudo bem. Eu terminava meu show em Madrid para um dos maiores públicos que já tive. Estava feliz, a musica me deixa feliz. É a verdadeira paixão da minha vida. Não sei nem como descrever a sensação de estar em cima de um palco e ouvir as pessoas cantando a minha musica comigo.

Depois do show, a banda saiu para se divertir em Madrid e, obvio, me chamaram para ir junto, porem foi apenas por formalidade, pois todos sabem que eu nunca saio depois de um show. Me ritual é ir para o hotel e passar ainda mais tempo com o meu violão e, depois, dormir o quanto conseguir.

Não que eu não goste de sair para beber, me divertir ou coisa do gênero, apenas tenho ideias diferentes de como gastar a minha noite. E uma balada cheia de gente bêbada não é bem o meu lugar favorito do mundo.

Passo a noite com uma melodia na cabeça, mas não consigo fazê-la acontecer. Parece que cada acorde que eu tento sai errado. Tento me distrair, interajo com os fãs, como faço quase toda noite, e resolvo fazer uma live, toco algumas músicas que eu gosto, sou lembrado que estou devendo um cover para eles, mas após tudo isso, a musica continua apenas na minha cabeça. Parece que algo me bloqueia.

A gravadora quer um single novo para os próximos meses. Mesmo com a tour do meu primeiro álbum ainda em andamento, eles acham que não posso deixar que as pessoas esqueçam meu nome e que preciso ampliar ainda mais o meu publico. Até ofereceram os compositores da gravadora para me ajudar a compor (leia-se, compor por mim), mas recusei. Eles cuidam da minha carreira e eu da minha musica, essa era minha unica exigência.

Talvez seja isso. Essa necessidade de entregar a musica está bloqueando minha inspiração. É um saco. Nunca passei por isso.

No fim, desisto de tentar fazer essa musica sair hoje e resolvo dormir. Amanhã bem cedo volto para Itália e terei um intervalo de três semanas da tour. Estar em casa com a minha família vai me fazer bem e deve devolver minha inspiração. Faz mais de um mês que não os vejo e estou com saudades. Minha mãe, meu pai e meu irmão são tudo na minha vida, me dão paz.

...

Os abraços da minha mãe, as piadas sem graça do meu pai e a implicância do meu irmão foram as pequenas coisas que mais senti falta enquanto estive fora. Amo a musica e amo poder viver dela, mas odeio ter que ficar longe das pessoas que amo.

Reencontrar minha família realmente faz a musica se desenvolver. Durante a noite a melodia está quase pronta, infelizmente, não tenho letra ainda. Estou jogando mais uma folha de papel no lixo quando escuto meu celular apitar. Quando estou em casa, deslogo das minhas redes sociais para poder aproveitar minha família e coloco o som novamente, então sei que as notificações são mensagens.