A SURPRESA

96 5 0
                                    

Era sábado de manhã. O sol já invadia meu quarto sem pedir licença. Estava me espreguiçando na cama quando ouvi um barulho na minha janela. Levantei curiosa pra ver que objeto causara aquele som, quando percebi que Kinn estava parado debaixo dela.

-Kinn? Abri a janela e indaguei exasperada. - O que você está fazendo aqui?

-Oi... Desculpa te acordar... Queria te levar para o parque, sei que não fui convidado, ouvi a conversa ontem e gostaria de ir com você, se você quiser que eu vá, claro. Ele sorriu nervoso e caminhou para perto do carro.

Acho que entrei para o livro dos recordes ao gastar o menor tempo da minha vida para me arrumar. Ao chegar perto do veículo, ele abriu a porta para mim, um gesto de cavalheirismo, e rodeou para se sentar no banco do motorista.

- Então, como descobriu onde eu morava? Perguntei curiosa.

- Perguntei por aí, não é difícil descobrir isso numa cidade pequena. Ele riu ao mesmo tempo em que ligava o carro.

- Eu não sabia que você gostava de acordar cedo no final de semana. Indaguei colocando o cinto de segurança.

- Geralmente não gosto, mas quando é por uma coisa que valha a pena, fazemos sacrifícios. Disse em um tom divertido também colocando o cinto. Nessa hora, o cinto raspou pela gola de sua blusa revelando um cordão que, até então, estava oculto. Nesse cordão estava pendurado um pingente com uma pedrinha azul incrustada.

- Cordão bonito. Comentei.

- Ah, sim, herança de família. Ele o escondeu novamente dentro da blusa.

O sol estava distribuindo seus raios quentes sobre o parque e o lago brilhava intensamente.  Muitas pessoas estavam reunidas fazendo piquenique, praticando esportes, lendo livros, brincando com seus cães e várias crianças corriam uma atrás da outra. Quando chegamos, o pessoal já estava nos esperando debaixo da sombra de uma grande árvore, todos com sorrisos nos rostos, menos Bruno e Milena que fizeram uma carranca.

-Liza, você demorou, hein? Ainda bem que você foi acordar essa dorminhoca – Vitória sorriu para Kinn - Seja bem-vindo ao nosso lanche coletivo. Essa era Vitória, sempre educada e simpática com as pessoas. Por que Bruno e Milena não seguiam o exemplo dela e desfaziam aquela cara feia?

- Kinn... Você vai aos jogos finais? Heitor perguntou interessado.

- Claro. Sempre assisto, todos os anos. Nessa etapa parece difícil vencer, mas não perco as esperanças. Respondeu.

- Olha, ouvi falar que vamos ter reforços este ano no time. Vítor se juntou a conversa dos meninos. Como os homens eram previsíveis. O único que não participava da conversa era Bruno. Milena veio em minha direção ansiosa, dava para perceber a curiosidade e até a esperança sobre minha estranha e nova relação.

- E então Eliza? Vocês estão namorando? Saindo juntos?

- Bom, acho que está rolando algo, não sei ainda. Respondi sinceramente. Desejava que Milena estivesse certa. Mas, e se eu fosse somente um passatempo para ele? Devia arriscar?

- Está na cara que vocês se gostam. Interrompeu Vitória.

- Vocês combinam. Joana ressaltou e eu sorri pra ela.

-Tá vendo? Por isso que amo minha cunhadinha... Sempre perspicaz. Joana sorriu para Vitória.

Ficamos horas conversando e rindo de muitas coisas, descobri que, além de romântico e educado, Kinn ainda tinha um ótimo senso de humor. A conversa cessou por um momento e ele veio se sentar mais próximo a mim.

- Vista bonita, né?

- Este parque é muito bonito. Concordei.

- Você é diferente das outras meninas. Gosto de conversar com você. Eu ri abertamente antes de falar com Kinn, não estava acreditando na minha sorte.

- Por quê?

- Você não faz tipo nenhum, não faz questão de impressionar ninguém, simplesmente é você. É tão fácil conversar com você.

- Falar não é tão difícil, é só abrir a boca - brinquei e ele riu - Mas parece que foi difícil para você no início. Lembrei-o.

-Ah!... Não estava no meu melhor dia, sabe como é, mas eu queria conversar, conhecê-la melhor. Ele me encarou demoradamente, fiquei sem ar. Respirei por um momento e então disse:

-Você é mestre em me deixar sem graça. Eu disse com um sorriso.

- Posso ficar aqui o dia todo fazendo elogios a você e eles ainda não seriam suficientes. Corei.  Ele riu.

- Então, com isso pode-se dizer que você não está inserido dentro da pegagem social? Garotos populares que ficam com patricinhas gostosas ou garotas populares? Perguntei divertida.

- Não vejo graça nessas meninas.  Acho que estou fora desse high society estudantil. Sorriu novamente.

- Ô casal, nós vamos jogar bola, vocês querem vir? Heitor perguntou.

- Melhor não Heitor. Não quero outro galo na cabeça tão cedo. Respondi.

- Eu vou fazer companhia para ela. Kinn emendou outra resposta.

Conversamos sobre muitas coisas, ambos contamos dos lugares em que moramos, das manias, da personalidade. Mas, durante a conversa, confesso que fiquei um pouco decepcionada, pois apesar de estar o conhecendo um pouco melhor, ele se manteve afastado fisicamente de mim, o tempo todo. Esperava que meu cabelo não estivesse feio, que não estivesse com nada preso nos dentes ou que minha conversa não estivesse cansativa. Tudo que queria era o braço dele ao redor do meu corpo, como no sonho. Mas então uma vozinha me veio à cabeça, uma que sempre vinha quando desconfiava de algo ou quando estava em perigo.  Eu chamava isso de intuição. E ela gritava como um alarme de incêndio que coisas piores estavam por vir. Um calafrio tomou conta do meu corpo.

- Liza, está tudo bem? Kinn me encarava. Seus olhos curiosos e preocupados. Ele havia percebido minha mudança de humor.

- Sim, está tudo bem, eu tenho que ir. Fiquei de sair com minha mãe mais tarde. Inventei uma desculpa.

- Eu te levo. Ele estava se levantando, mas o impedi.

- Não precisa, daqui até minha casa é rapidinho.

Fui caminhando até Vitória, ele foi me seguindo com os olhos.

- Vi, acho que vou indo, já está tarde.

- Ok, Kinn vai te levar?

- Não, não precisa.

- O que foi? Vocês nem começaram a ficar e já brigaram?

- Não, não é isso, é só que eu quero caminhar um pouco. Dei de ombros, ela não disse nada, mas sei que não engoliu a história. Por que essa voz irritante tinha que aparecer agora? Justo quando estava tão perto dele?

À noite os sonhos vieram me perturbar mais uma vez, as flores negras voltaram a aparecer, bem como os gritos, mas dessa vez uma mulher com uma pele tão clara como um fantasma, com longos cabelos loiros e olhos azuis estranhos surgiu em uma espessa névoa para me alertar.

- Eliza, tenha cuidado com os sem-destino que vagueiam pela terra; com a beleza eles te cegam, com as palavras ludibriam e com um sorriso consomem a alma. 

Na mesma névoa em que apareceu ela sumiu. Mais uma vez acordei assustada e com calafrios.

Herança de Sangue - A batalha de ElfhameOnde histórias criam vida. Descubra agora