SUSPEITAS CONFIRMADAS

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Na manhã seguinte acordei com o coração exultante. Virei-me na cama para abraçá-lo, mas ele já tinha se levantado. Um bilhete estava em cima do criado escrito em uma caligrafia rebuscada.

Fui comprar algo para o café. Volto já. Te amo.

Fui até o banheiro jogar uma água no rosto e ajeitar o visual. Lembrei-me dos olhos vermelhos que vi no sonho, aquilo me deu calafrios. Kinn chegou com os pães.

- Bom dia, anjo. Dormiu bem? Ele me cumprimentou feliz.

- Bom dia. Dormi como um bebê. E você? Gostou da noite de ontem?

- Foi a melhor noite da minha existência, obrigada por ela. Ele respondeu.

- Não há de quê. Precisando de mais noites como essa... Deixei o convite morrer e ele riu divertido.

- Comprei pão quentinho para você. Vem tomar café. Ele disse animado.

- Você não vem? Perguntei quando vi que ele ainda estava em pé.

- Não estou muito bem de estômago, prefiro não arriscar, mais tarde como alguma coisa. Ele respondeu.

- Ok. Sentei-me para comer. Ele me deu um beijo na cabeça e se sentou à minha frente, conversamos enquanto comia. Tive que comer rápido para que meus pais não estranhassem minha ausência prolongada. Kinn me deixou na casa de Vitória. Vitória já tinha aberto a porta e me aguardava com um misto de preocupação e curiosidade estampada no rosto. Kinn me deu um beijo, cumprimentou-a e foi embora.

- E aí, amiga, como você está? Tudo bem?

- Estou melhor Vi, obrigada.

- Estou com uma vontade tremenda de ir à casa daquele psicopata e esmurrar a cara dele.

- Não se preocupe. Kinn já se encarregou disso ontem mesmo. Ela deu um sorriso tímido, a curiosidade brilhou em seus olhos quando recomeçou a falar:

- Por falar nele, hum? E aí, o que rolou por lá? Perguntou animada.

- Foi perfeito! Vou te contar tudo, mas primeiro como foi aqui? Mamãe ligou? Perguntou por mim?

- Deu tudo certo, liguei pra ela avisando que minha mãe nos buscaria e que você dormiria aqui, que iria embora hoje de manhã.

- Ok, ainda está cedo, posso ficar mais um pouquinho. O que quer saber?

- Tudinho - ela me puxou pela mão e me levou até seu quarto – Vocês se beijaram? Vocês...

- Sim e sim – ela soltou uma risada de excitação e eu ri também – Ele me beijou e mais tarde, fizemos amor. Foi muito bom. Amiga, que corpo ele tem, definido, macio... E gelado. Vitória fez cara de estranheza.

- Gelado?

- É. O corpo dele é um pouquinho gelado, mas nada que incomoda.

- Tudo bem Liza, isso é estranho. Mas ele tinha que ter ao menos um defeito, não é?! Às vezes ele tem a doença de Raynaud.

- Doença de quê?

- Raynaud. Caracterizada pela falta de suprimento sanguíneo para um tecido orgânico. Pode ser induzida pelo frio ou estímulo emocional e aliviada pelo calor.

- Nossa! Não sabia que você estava cursando medicina. Ri

- E não estou. Sangue não é muito minha praia –Ela fez uma careta - Estava apenas lendo sobre algumas doenças estranhas ontem na internet. Não é todo mundo que pode ter a noite dos sonhos com o cara mais gostoso da escola - deu de ombros e riu, eu ri também - Vocês usaram o preservativo, não é?

- Lógico, Vitória! Ficar grávida não faz parte dos meus planos por agora! Ela riu aliviada

- E o que você vai fazer com relação ao Bruno? Ela mudou de assunto.

- Nada. Ela me olhou incrédula.

- Como assim nada? Ele tentou te estuprar. Será que só eu estou enxergando a gravidade do assunto?

- Não quero ter que mexer com polícia. Contar isso para meus pais? Nem pensar, é muito constrangedor! E você sabe que, em cidade pequena, isso vai virar notícia.

- Para de besteira. Você tem que fazer alguma coisa, não pode deixar esse monstro à solta – ela fez cara de desapontamento – E eu achando que ele era legal, um pouco doido, mas legal, se eu soubesse que ele era assim, um maníaco sexual...

- Não se culpe amiga, não tinha como você saber. Graças a Kinn, ele não chegou a consumar o fato. Mas bem que ele merecia ir preso. Nesta hora Heitor ia passando pelo corredor e escutou a conversa.

- Quem merecia ir preso? Ele enfiou a cabeça pela porta.

- Bruno. E isso seria muito pouco para o que ele tentou fazer ontem à noite – eu joguei um olhar sério para Vitória, mas ela continuou a falar – Liza, ele tem que saber. Nossos amigos têm que saber sobre o maníaco sexual que Bruno é. Quem sabe Nayara ou Joana não estejam correndo riscos sendo amigas dele?

Heitor começou a se preocupar.

- Do que vocês estão falando Vitória? Conta essa história direito.

- Primeiro feche a porta e depois se sente - ele obedeceu – Ontem, na festa, Bruno tentou molestar Liza. Vitória revelou a verdade e Heitor fez cara de espanto.

- O quê? Não estou acreditando nisso. É verdade Liza? Mexi-me desconfortável, mas decidi que era melhor contar toda a verdade.

- É verdade Heitor. Ele me enganou. Disse que Vitória estava passando mal e que a deixou descansando no quarto dele, que ela havia pedido pra me procurar. Eu acreditei – olhei para Vitória - Você sumiu, achei que poderia ser verdade.

- Pilantra, ainda me usou nessa sujeira. Foi mal amiga, não deveria ter sumido daquele jeito.

- Liza, nós temos que fazer alguma coisa. Avisar a polícia. Esse cara não pode ficar à solta, sem nenhuma punição. Apavorei-me.

- Não Heitor, por favor, me prometa que não vai colocar a polícia nessa história. Não quero escândalos. Sabe como é em cidade pequena. Além do mais, ele já levou uma surra com S maiúsculo do Kinn. Ele não vai tentar mais nada.

- Que canalha! Vou avisar o resto da galera pra eles ficarem de olho nele. Ele saiu revoltado.

- Se bem conheço a galera, vão excluir Bruno do nosso círculo social e com razão. Assim será melhor mesmo. Vitória comentou.

- Mas, Vitória – fiz cara de pensativa - Voltando a um ponto da história, onde a senhorita estava enquanto tudo isso acontecia?

- Amiga, desculpe-me, mas sabe como é... A carne é fraca. Estava ficando com Fernando.

- Aquele menino da outra sala? O loirinho de olho azul?

- Esse mesmo. Caímos na gargalhada.

Naquele mesmo dia, horas mais tarde, convenci Vitória a dormir em casa. Os professores haviam maneirado nas tarefas e nas provas, então poderíamos nos divertir um pouco. Mas chuva foi o que o céu mandou e não nos restou mais nada a fazer se não assistir a um filme.  

- Amiga, sei que ultimamente não precisamos de filmes para ter pesadelos, mas esse aqui eu tinha que assistir, Heitor disse que é muito bom. Estou ansiosa pra ver. Ela comentou.

Mamãe nos trouxera pipoca, Vitória colocou o filme e começamos a vê-lo. Pouco tempo depois ela dormiu e eu ainda fiquei mais alguns segundos encarando o teto descascado. Fechei os olhos e vi Kinn, lindo e forte, seus olhos vermelhos me encarando... Olhos vermelhos? Eu acho que já sabia há muito tempo qual era o verdadeiro problema dele, mas custava acreditar que isso fosse verdade. Mesmo com todos os livros e filmes sobre criaturas sobrenaturais, não podia acreditar que ele pertencesse àquele mundo. Recusava a acreditar que esse mundo talvez não fosse somente imaginação de autores talentosos. Kinn me encarava com um olhar faminto, seus olhos brilhavam e sua boca, que antes havia sorrido para mim, estava manchada de sangue, caninos pontiagudos saíam à superfície. Sob seus pés, uma menina jazia morta, seu sangue totalmente drenado, seus olhos ainda guardavam na retina o medo do seu assassino. Acordei assustada, tremendo e inteiramente suada, mas com a certeza de saber quem Kinn era verdadeiramente. Só não tinha certeza do que fazer com essa informação e de como agir.

Herança de Sangue - A batalha de ElfhameOnde histórias criam vida. Descubra agora