No dia seguinte da briga, eu estava triste por discutir com a minha mãe. Em uma tentativa esforçada de restabelecer o afeto e a amizade, me ofereci de ir ao mercado com ela. Eu já estava pronto e descia as escadas em direção à cozinha onde estava minha mãe. Sentei em um banco e me apoiei na bancada com a cabeça um pouco baixa na intenção de esconder meu rosto ainda magoado.
— Bom dia, filho. — Ela disse enquanto vinha em minha direção para dar um beijo em minha testa. — Está tudo bem?
— Sim, estou bem.
— Ah, quando voltarmos do mercado eu quero ter uma conversa com você.
O rosto dela mudou na hora. Ficou séria. Não era uma cara de raiva ou tristeza, muito menos felicidade. Era sem expressão.
Tentei dar algumas respostas, mas eu que já era de poucas palavras, só consegui afirmar com a cabeça.— Eu tenho que ir na casa do Peter. Marcamos de fazer um trabalho.
— Vai precisar passar a noite lá? — Ela perguntou de forma maliciosa. Dava pra perceber seu sorriso de canto enquanto colocava uma capsula na máquina de café expresso. Mas ignorei esse detalhe e fingi não ter percebido.
— Vou sim, aquela escola tem uns trabalhos muito complexos.
— Tudo bem, deixamos a conversa para outra hora.
Durante as compras não conversamos nada além do necessário. Variava entre "Já pegou o alho?" e "Onde fica o sabão em pó?". Na volta, levei as compras até a cozinha, peguei minha mochila que já estava no sofá e fui para a casa do Peter. Era pouco mais que uma hora da tarde e entrei sem bater. O Peter já me aguardava no sofá da sala, ele estava assistindo uns shows antigos da Maria Bethânia e assim que me viu, acenou e voltou sua atenção para a televisão.
— Me conta qual a boa de hoje! - Falei enquanto pulava pelas costas do sofá e jogava a mochila na poltrona.
— Olha os modos, Dono Thomas! Assim não vai ganhar bolo de tarde! - Disse a Tia Lurdes, mãe do Peter. Ela passava com uma forma de bolo na mão. A mãe dele trabalha com bolos e doces, eles tem quase uma franquia de bolos e tortas e mesmo assim a mãe dele continua liderando tudo e colocando a mão na massa.
— Desculpa!
— Deixa eu te contar. Sabe a Roberta?
— Deixa eu adivinhar. Ela está te dando mole! Espera... Você ficou com ela!
— Não, não. Seria muito bom, mas depois da aula enquanto estávamos conversando com ela, ela disse pra todo mundo que estava gostando de um garoto da escola.
— Nossa, que decepcionante pra você.
— Só pra mim. O garoto é você!
Aquilo gelou o meu coração na hora. Como assim? Logo eu? E tinha que ser logo ela? Como eu ia dizer para ela que eu tenho sentimentos pelo namorado da minha amiga? Não. Isso não era nem uma possibilidade. Talvez isso fosse uma oportunidade de deixar o passado para trás e me preparar para uma nova realidade. Eu, um aluno Talent namorando a garota mais bonita do colégio, popular e também poeta. Não tem como isso dar errado.
— Thomas, ela quer ficar com você amanhã depois da aula!
— Mas... Depois da aula eu vou preparar o seminário de poética II... — O medo ainda era maior do que minha fantasia.
— Qual foi, cara! Esse é o seu momento. Você não pode perder essa oportunidade.
Fiquei em silêncio e tentei transparecer alguma confiança. Depois desse terrível diálogo, começamos a fazer alguns trabalhos e responder algumas questões da aula de amanhã. É o único dia da semana em que saímos mais cedo. Mas mesmo assim eu tenho a sensação de que será mais longo do que deveria ser.
Depois de uma tarde de bolos e trabalhos, logo o Peter adormeceu no sofá. A noite havia acabado de surgir e as estrelas ainda começavam a aparecer no céu. Pequenos pontos brilhantes piscavam algumas vezes até tomarem a intensidade de se manterem acessas. A noite sempre foi tão poética para mim. Queria saber quanto tudo se perdeu. Quando os poetas deixaram de dominar os jornais e os folhetins. Quando que os bares da noite, ruas e vielas deixaram de ser uma fonte infinita de poesia. Quando que pararam de olhar para a coisa mais linda, mais cheia de graça. Para as pessoas que vem e que passa. Mas para mim, a noite ainda será de poesia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Noite Ainda Será de Poesia [LGBT]
RomanceThomas sempre teve uma família conturbada, mas durante a infância a sua única salvação era o seu amigo Steven. So que em uma dessas brigas familiares, as duas famílias acabaram se afastando e a família do Steven mudou-se para outra cidade. Como será...