Capítulo 1.

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| Luan |


— Respeitável público! — ouvi meu pai falar e abaixei o meu olhar, desviando a atenção do meu reflexo no espelho. — Senhoras e senhores, meninos e meninas, — ele era sempre muito empolgado, independente do que estivesse acontecendo nos bastidores. — Sejam bem-vindos ao nosso circo! O Vikings tem a honra de recebê-los em nossa casa. — dei um sorriso de lado, gostando da forma como ele sempre se referia ao nosso circo.

O Vikings foi passado de geração em geração e está na nossa família há anos. Estava no nosso sangue e não tinha como negar isso a ninguém.
O nome foi dado pelo meu bisavô que era Dinamarquês e nas suas histórias sempre contava que tinha viajado em pelo Báltico e lutado contra os mais diversos tipos de inimigos.

Eu era criança quando meu avô contava sobre isso e hoje em dia desconfio que fosse apenas uma história para me colocar para dormir.

— No picadeiro teremos palhaços, acrobatas e pernas de pau. — passei a mão pelo cabelo e peguei a peruca colorida que fazia parte do meu figurino.

Minha profissão era no mínimo peculiar.

Durante toda a minha vida eu estudei com os meus pais, que por terem viajado quase todos os cantos do mundo, eram sem dúvida as pessoas mais inteligentes que eu já conheci. Quando eu tinha quinze anos, eles decidiram que eu precisava interagir com outras pessoas que não fossem os funcionários do circo ou a platéia que vinha nos assistir e, sem me perguntar nada, resolveram me matricular em uma escola pelo tempo que o Vikings fossem ficar na cidade.

O resultado foi todos os outros alunos rindo quando eu falei que meus pais eram os donos do circo que havia acabado de chegar na cidade.

Mesmo com tudo acontecendo para que eu me sentisse mal e inferior a eles, eu preferi ignorá-los, lembrando que eu não ficaria alí por muito tempo.

— Com vocês, o grande Alexander! — ouvi aplausos e neguei com a cabeça, dando um sorriso de lado ao ouvir o jeito que meu irmão gostava de ser chamado.

Toda a nossa família estava ligada de alguma forma ao circo. Meu pai, Amarildo, além de cuidar diretamente de toda a parte financeira, é o locutor e narra cada parte do espetáculo. Minha mãe, Atena, era a assistente de mágica do meu irmão mais velho e adorava quando cogitavam a possibilidade deles serem irmãos e não mãe e filho.

Desde muito pequeno eu sempre soube qual parte do circo eu gostaria de ficar e mesmo ajudando os trapezistas e o meu irmão, eu gostava mesmo era de fazer as pessoas sorrirem.

Passei a mão pelo meu cabelo antes de colocar a peruca e saí do camarim da minha mãe, onde eu sempre me arrumava. Abri um pouco a cortina e vi o meu irmão colocar uma das espadas no caixote onde nossa mãe estava. Olhei para a platéia e vi que a casa estava cheia. Era possível ouvir os suspiros assustados e surpresos cada vez que Alexander enfiava uma das espadas no caixote.

As luzes, a música, o ângulo em que a caixa foi colocada. Cada mínimo detalhe era pensado para surpreender a platéia e fazê-los acreditar que era tudo real e não um truque de mágica.

— Como vai, Criador de Sorrisos? — ouvi a voz de Lena e me virei na sua direção.

Lena era uma morena linda que foi contratada como bailarina e acrobata do circo. Nos demos bem desde o dia em que ela entrou aqui e talvez por ter sido a primeira garota que eu tive na cama, ela acabe pensando que temos algo além de amizade.

— Bem. — dei de ombros e ela se aproximou, colocando uma das mãos no meu rosto.

Arqueei uma das sobrancelhas, não querendo ser ignorante e segurei seu pulso.

— Eu só queria te ajudar a esconder os pêlos da barba. — ela mordeu o lábio inferior e puxou o seu braço.

— Eu já fiz isso, Lena. Não precisa se preocupar. — a parte mais difícil de manter a barba e trabalhar com tinta de rosto era esconder os pêlos.

Ela franziu o nariz e aproximou seu corpo devagar do meu.

— Se precisar de ajuda para tirar, não só a maquiagem mas também a roupa, sabe onde me encontrar. — foi impossível não fechar os olhos ao ouvir a sua voz sussurrada perto do meu ouvido.

Ela sabia como ser sedutora e era difícil resistir as suas propostas.
Me afastei e abri os olhos, vendo-a sair na direção da cortina já que o seu número era o próximo.

— Essa carinha de inocente não engana ninguém. — revirei os olhos e me virei na direção de Isac.

Eu cresci acreditando que para ser palhaço você precisa de no mínimo ser bom o suficiente para não assustar as pessoas que chegam perto de você, mas quando eu conheci Isac, isso mudou de figura.

As cicatrizes e tatuagens nos seus braços, e a forma como ele olhava para os outros me fazia ter uma breve ideia de onde vinham as inspirações para os palhaços de filmes de terror.

— Pegando a bailarina, não é? — o único motivo para meu pai mantê-lo aqui era uma dívida sentimental com o pai de Isac, que fez Amarildo prometer que nunca o deixaria sozinho.

— Não é da sua conta. — meu tom de voz era sempre agressivo quando se tratava dele.

— Não te julgo, ela é gostosa e apertada. — neguei sutilmente com a cabeça, tendo a certeza que não era apenas o meu trailer que Lena frequentava em algumas noites durante a semana.

— E merece respeito, independente de qualquer coisa. — ele semicerrou os olhos e sorriu.

— Problemas no paraíso? — meu pai perguntou se aproximando e eu neguei com a cabeça.

Ele sabia que a única pessoa que eu não me dava bem aqui era com Isac e fazia questão de me manter bem longe dele, com exceção da hora do espetáculo, já que nós dois fazíamos o número juntos.

— Hora de entrar em cena, as pessoas precisam sorrir. — ele apontou para a platéia que aplaudia o número que Lena havia acabado de fazer.

Me virei e arrumei a minha peruca, vendo meu pai segurar o braço de Isac.

— Faz o seu trabalho, garoto. — olhei para trás por cima do ombro e vi Isac revirar os olhos.

— Não vou passar a mão pela sua cabeça se você não andar na linha. — coloquei a mão no bolso da calça vermelha que eu usava e peguei o meu nariz.

— O último cara que andou na linha, o trem pegou, padrinho. — a música que sempre tocava antes dos nossos números começou a tocar, amenizando um pouco o tom sombrio por trás da frase de Isac.

Respirei fundo e a partir desse momento, todos os meus problemas tinham que ficar nos bastidores.

O foco não era mais eu e sim arrancar sorrisos das pessoas.

Olhei para o lado e vi Isac fingir tropeçar em algo e só isso já fez algumas pessoas sorrirem.

Se tinha algo em que ele era bom, era em esconder o que estava pensando e sentindo.

O criador de sorrisosOnde histórias criam vida. Descubra agora