| Luan |
Sorri ao fim de mais um espetáculo e me senti satisfeito por ter conseguido levar o número sozinho e arrancado tantos sorrisos. Apesar daquela estranha sensação no peito que dizia que algo ruim estava acontecendo, eu consegui levar mais um espetáculo até o final.
A primeira coisa que fiz depois de tirar a peruca e o nariz, foi pegar meu celular na gaveta e ligar para Júlia.
Nós tínhamos nos falado antes do espetáculo começar e apesar de ter dito que estava bem, sua voz mostrava o contrário e o medo dela estar tendo outra crise fez com que eu levasse bem menos tempo para me desarrumar essa noite.
Depois de tentar pela quarta vez e ir para a caixa postal, resolvi ligar para Beatriz, torcendo para que a minha Júlia estivesse bem.
— Oi, Luan. — ouvi a voz da Bea do outro lado da linha.
— Oi! A Júlia não me atende, aconteceu alguma coisa? — fui direto ao assunto enquanto saía do camarim e ia na direção dos trailers.
— A Nanda disse a ela que ia embora. — parei onde estava e franzi as sobrancelhas.
— Como assim? — perguntei e ouvi o suspiro da caçula do outro lado da linha.
— Ela recebeu uma proposta de estágio na capital e vai embora em duas semanas. — neguei com a cabeça, sabendo que a morena era a melhor amiga da minha namorada.
— Eu estou indo aí. — falei antes de desligar.
Peguei a Magrela, ignorando o fato de já passar da meia noite e comecei a pedalar na direção da casa delas.
Eu não sabia como iria funcionar essa ida da Nanda para a capital, mas sabia que minha vontade de deixar Júlia só diminuía a cada dia que passava.
Quem iria cuidar dela agora?
Balancei a cabeça, tentando não pensar nisso agora e estacionei na calçada em frente a casa da garota dos olhos azuis.
Beatriz estava na janela do quarto e eu deduzi que era por ali que eu deveria entrar essa noite.
Não foi difícil subir pela árvore e entrar pela janela e o medo dos vizinhos acharem que eu era um ladrão era a minha menor preocupação no momento.
Quando entrei, vi Júlia deitada na cama. Sua respiração estava serena, mas Beatriz me disse que aquela era só mais uma tentativa de pegar no sono.
— Júlia. — sussurrei me ajoelhando ao lado da cama.
Ela abriu os olhos e meu coração ficou pequeno ao vê-los avermelhados. Coloquei uma das mãos no seu cabelo e me levantei, tirando meus tênis para poder deitar ao seu lado.
— O que está fazendo aqui? — ela perguntou quando eu deitei na sua frente, colocando uma das mãos no seu rosto e deixando meu corpo próximo ao seu.
— A Bea me disse o que aconteceu. — fui sincero e ela abaixou o olhar, ficando em silêncio por algum tempo.
— Acho que eu preciso do meu remédio para insônia. — neguei várias vezes com a cabeça, sabendo que estava fora de cogitação deixá-la tomar aquilo.
— Eu vou te colocar pra dormir. — dei de ombros e ela sorriu, um sorriso triste e que não chegou aos olhos como eu estava me acostumando a ver.
Júlia colocou uma das mãos na minha cintura e fez carinho naquela região com o polegar.
Beijei a sua testa e desci a mão até os seus cabelos, entrelaçando meus dedos nos fios e sorrindo ao ver sua pele se arrepiar ao meu toque.
Eu não podia deixá-la sozinha em Horizonte Azul.
Eu sabia que Beatriz a amava e que estaria aqui quando ela precisasse, mas o que aconteceria quando a pequena precisasse ir embora da cidade também? O que aconteceria quando Júlia ficasse sozinha?
A família de Júlia estava mudando aos poucos, mas isso não significava que eles a ajudariam e que perceberiam quando ela realmente não estivesse bem.
Eu não estava apenas apaixonado por Júlia Johnson ao ponto de lidar bem com a nossa despedida e seguir a minha vida, conhecendo outra pessoa quando eu fosse embora com o circo.
Eu a amava e não podia deixá-la de jeito nenhum.
Era ela que eu queria ver quando acordasse todas as manhãs, era ela que eu queria ver nos bastidores dos espetáculos, eram os seus sonhos que eu gostava de ouvir e queria realizar junto com ela, era com ela que eu conseguia imaginar uma família, uma garotinha com os seus olhos e o seu jeito. Era o sorriso dela que me fazia acreditar que eu era mesmo o Criador de Sorrisos.
Eu precisava correr o risco e fazer essa pergunta, mesmo que eu temesse a sua resposta.
— Vem embora comigo? — juntei coragem para perguntar.
— Fica aqui comigo? — ela perguntou na mesma hora que eu.
Ela piscou os olhos algumas vezes e se afastou, deixando clara a sua surpresa ao ouvir a minha pergunta. Me sentei na cama, temendo que a minha expressão não fosse das melhores.
Ficar em Horizonte Azul? Mas o que...
— O que foi que você disse? — sua pergunta me tirou dos meus pensamentos.
— Eu te pedi para vir embora comigo. — murmurei com sinceridade e ela se levantou da cama, soltando e prendendo o cabelo rapidamente.
— Ir embora com o circo. — ela falou tudo devagar, provavelmente para assimilar o meu pedido e eu me levantei, indo até ela.
Nós dois falávamos baixo, já que ambos não queríamos acordar o resto da família Johnson. Beatriz deveria estar nos ajudando de alguma forma, mas era bom não correr o risco.
— Não precisa me dar a reposta agora. — temi que a sua resposta inicial fosse não, por isso resolvi lhe dar um tempo.
— E a Beatriz? E a minha família? O meu emprego? O que eu faria no circo? Eu não sei fazer nada. — havia medo na sua voz.
Segurei em ambos os lados do seu rosto e ela piscou os olhos algumas vezes, deixando uma lágrima rolar pela sua bochecha.
— Você sabe melhor que eu que não gosta daquele emprego. Poderíamos voltar para ver a sua família sempre que estivéssemos passando perto de Horizonte Azul e eles seriam bem recebidos se quisessem nos visitar. — dei de ombros e ela abaixou o olhar. — Eu não posso te deixar sozinha aqui, eu não posso simplesmente te deixar. — falei passando o polegar pela sua bochecha, limpando a sua lágrima.
— O que eu faria no circo? Eu nem sei pular corda. — saber que ela estava cogitando a possibilidade de vir comigo me deixava aliviado.
— Você poderia aprender alguma coisa, poderia ajudar nos bastidores, poderia ficar com a minha mãe. — falei, sabendo que assim como ela minha mãe também tinha precisado aprender a fazer alguma coisa no 'Vikings'.
— Por que você não fica aqui? — exatamente pelo mesmo motivo.
Eu nasci e cresci no circo, eu não sabia fazer outra coisa além de ser um palhaço, além de arrancar alguns sorrisos, além de fazer as pessoas felizes.
Como eu deixaria a minha família?
Como meus pais arrumariam outro palhaço agora que Isac também foi embora do circo?
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O criador de sorrisos
Подростковая литератураQuando era criança, Luan sempre ouvia de todos ao seu redor que tinha um dom e que ainda ajudaria muitas pessoas com isso. Quando cresceu, ele soube aquilo que era verdade. Por onde passava, o Criador de sorrisos era conhecido por despertar sentimen...