Capítulo 37. *

144 10 4
                                    

Não houve uma só oração que eu não tivesse feito desde que Júlia passou por aquele corredor. Eu já tinha perdido a noção do tempo, mas minha mãe me avisou que faziam apenas minutos desde que ela foi levada.

Não ter notícias foi a pior parte, ninguém falava absolutamente nada sobre o seu estado e isso era o que estava me matando.

— Bea. — ouvi uma voz feminina e levantei a minha cabeça, vendo a mesma garota que tinha ido com Júlia ao circo no primeiro espetáculo que fizemos. — Como ela está? — ela perguntou e Beatriz se levantou da cadeira e foi na sua direção.

— Nanda, ela tentou se matar. — ouvir Beatriz falando parecia fazer com que tudo fosse mesmo real. — Eu não quero perdê-la, eu a amo tanto. — a pequena já chorava e eu senti meus olhos marejaram.

Para a sua pouca idade, Beatriz era a garota mais sensata que eu já tinha conhecido.

— A gente não vai perdê-la, Bea. — Nanda disse e passou o dorso da mão pelo nariz, me olhando. — Como ela está? — ela me perguntou e eu neguei com a cabeça.

— Não tivemos notícias ainda. — murmurei e ela assentiu, deixando mais lágrimas rolarem.

— Eu não devia te agido como uma idiota com ela, minha amiga precisou de mim e eu não a ajudei. — eu não sabia o que estava acontecendo entre elas, mas pelo visto a relação das duas não estava bem.

— Não foi culpa sua. — falei com sinceridade.

Não tínhamos como achar um culpado para o que aconteceu, houve uma sucessão de acontecimentos que levaram Júlia a tentar tirar a própria vida.

— Você está adorando achar culpados para a situação, mas esquece de olhar para o próprio umbigo. — a voz de Vitor chamou a minha atenção.

Ele estava escorado no balcão e se não tivesse aberto a boca, eu não teria lembrado que ele estava ali.

— O que você está querendo dizer com isso? — me levantei e ele deu um passo na minha direção.

— Quem é você afinal?! — o idiota gritou, esquecendo que estávamos em um hospital. — Chegou na vida da minha irmã a pouco tempo e acha que pode mandar e desmandar na nossa família? — soltei uma risada irônica e neguei com a cabeça. — Quando a minha irmã sair daqui você não vai mais vê-la. — semicerrei os olhos na sua direção e ri o olhando.

— E quem vai me impedir? Você? — fui irônico e não recuei quando ele deu mais um passo na minha direção.

— Não brinque comigo, seu babaca. — suas ameaças não me assustavam nenhum pouco e eu sentia muito por ele, mas eu não sairia de perto de Júlia.

— Aqui não é lugar para brigas. — meu pai interviu e eu me afastei de Vitor, querendo o máximo de distância possível dele.

Não havia uma única pessoa aqui nessa sala que me afastaria de Júlia.

Eu não iria deixá-la sozinha.

— Vocês são os familiares de Júlia Johnson? — a voz do médico me fez esquecer que eu queria socar a cara do irmão dela.

O pai de Júlia foi o primeiro a se levantar, sendo seguido pelo babaca e por Beatriz, que ainda estava abraçada a Nanda.

— O quadro dela é estável, mas nem por isso menos preocupante. O fígado dela estava começando a apresentar problemas pelo uso excessivo de algum medicamento que nós não soubemos ainda identificar qual era. O remédio que ela tomou em uma dose assustadora, não poderia sequer ser vendido sem receita. Eu sei que ela não é menor de idade, mas com tantas pessoas na família, ninguém prestou atenção nisso? — talvez com outra pessoa dizendo algumas verdades na cara dos pais dela, eles percebessem que estavam realmente errados. — Ela teve uma intoxicação e se mais alguns minutos tivessem se passado, eu lamento, mas ela não estaria aqui. — engoli o nó que se formou na minha garganta e ele continuou falando.

— A minha menina. — ouvi a voz do pai dela e neguei com a cabeça.

— Nós podemos vê-la? — perguntei e ele assentiu, dizendo que teríamos que entrar apenas um de cada vez no quarto.

— Eu sugiro que ela comece uma terapia quando sair daqui. Ninguém toma uma dose tão grande de remédios sem ter a noção do risco que corre. Ela sabia que poderia não acordar e por ter tomado os doze comprimidos de uma vez, ela queria isso. — as palavras dele soaram como um tapa na cara de quem achava que Júlia estava bem.

Como eles não perceberam?

Como eles não se preocuparam?

Ela comprou um remédio que não poderia ter sido vendido sem receita e eu me odiei por não tê-la encontrado essa noite, antes de tudo acontecer.

Mas Júlia ficaria bem e eu faria de tudo para ajudá-la.

— Quem vai entrar primeiro? — o médico perguntou e eu hesitei por um instante.

A família dela teria prioridade nesse momento e por mais que eu quisesse vê-la, eu estava disposto a esperar.

— Vai você. — o pai dela me surpreendeu com as suas palavras.

Ele deu um sorriso de lado e apertou o meu ombro, apontando para o médico logo em seguida.

Assenti e não quis esperar que ele mudasse de ideia, seguindo o médico pelo corredor.

Uma enfermeira me entregou uma bata verde clara, uma touca branca e uma máscara, me indicando a pia para que eu lavasse as mãos e me guiou até o quarto em que Júlia estava.

A cortina do quarto estava aberta e talvez ela gostasse de ver o dia amanhecer pelo vidro. Me aproximei da cama e meu lábio inferior tremeu ao ver Júlia dormindo serenamente. Havia uma máscara que cobria o seu nariz e a sua boca e a sua pele tinha algumas pequenas marcas avermelhadas que o médico disse que era efeito do medicamento.

Coloquei uma das mãos no seu rosto e novas lágrimas caíram. Passei o polegar pela sua bochecha e meu coração ficou pequeno ao lembrar da sensação que foi sentir seu corpo frio nos meus braços.

Eu queria dizer a ela que ela nunca mais ficaria sozinha nem por um minuto daqui por diante, eu também queria dizer que ela tinha que ter visto a reação das pessoas que a amavam e que se preocupavam com ela de verdade quando receberam a notícia que ela precisava ir para o hospital, eu queria dizer que odiava o fato dela ter ingerido uma cartela inteira de um medicamento tão forte, mas ao mesmo tempo eu sabia que ao olhar nos seus olhos e vê-la bem, eu não conseguiria ter raiva de nada, eu queria trazê-la para morar comigo só pra ter a certeza de que ela estava sendo cuidada, eu queria dizer que agora toda a sua família sabia da sua doença e com exceção da sua mãe e do seu irmão, todos iriam ajudar de alguma forma.

Aproximei meu rosto do seu e beijei a sua testa demoradamente, sentindo as lágrimas diminuírem aos poucos.

— Acorda logo, Colombina. — sussurrei me afastando. — Eu tenho muita coisa para dizer, mas preciso fazer isso olhando nos seus olhos. — fui sincero.

Como era possível gostar tanto de alguém em tão pouco tempo?

O criador de sorrisosOnde histórias criam vida. Descubra agora