Capítulo 56.

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Coloquei o meu celular na gaveta, depois de responder a mensagem de Beatriz e voltei a minha atenção para o meu reflexo no espelho.

Talvez com o tempo eu perguntasse menos para a caçula sobre a sua irmã, mas por enquanto eu tinha certeza que ligaria todos os dias para saber como Júlia estava.

— Podemos entrar? — olhei para a porta quando ouvi a voz do meu pai e vi ele e Atena me olhando.

— Claro. — dei de ombros e peguei o meu nariz, guardando no bolso da calça colorida.

Era Domingo e hoje aconteceria o último espetáculo em Horizonte Azul. Amanhã de manhã estávamos partindo para Esperança, uma cidade que ficava há setenta quilômetros daqui.

— O Criador de Sorrisos não parece muito feliz essa noite. — minha mãe disse e sentou no sofá, dando um sorriso de lado.

— Acho que o motivo é bem óbvio. — minha família era extremamente unida e era difícil esconder algo principalmente das duas pessoas que estão agora no camarim comigo.

— Ela não quis vir? — meu pai perguntou e eu neguei com a cabeça, pegando minha peruca que estava em cima da penteadeira da minha mãe.

— Pela primeira vez eu desejei não ser um nômade, eu desejei poder dar alguma estabilidade a ela, poder ter um emprego normal e uma casa grande, quem sabe assim ela ficaria comigo. — minha voz saiu embargada e meus olhos marejaram.

— Você sabe que a Júlia não liga pra isso. — meu pai disse e eu passei a mão pelo cabelo.

— Então por que ela não ficou comigo? — talvez meu comportamento estivesse sendo um pouco imaturo, mas eu não estava ligando para isso no momento.

— Querido, não foi fácil deixar a minha família e vir morar com o seu pai, tente entendê-la. — soltei um longo suspiro e assenti, levantando da cadeira e colocando a minha peruca.

— Eu entendo, mãe. Mas está na hora das pessoas me entenderem também. Eu a amo e isso não vai mudar, eu não vou esquecê-la e sequer consigo ter raiva dela, mas agora eu estou triste. Não precisam se preocupar, eu sei que a dor vai acabar diminuindo e que talvez eu me acostume a não ter mais Júlia do meu lado. — soltei tudo de uma vez e minha mãe passou a ponta dos dedos pelo canto dos olhos.

[...]

Esperança era uma cidade com o clima horrível. Estávamos no meio da primavera e a sensação que eu tinha era a de que estávamos no inverno.

Uma fina neblina cobria a cidade, mas segundo o meu pai a promessa do primeiro espetáculo aqui era a de casa cheia.

Eu usava uma roupa térmica por baixo do meu figurino e sentia a temperatura melhorar um pouco. Arrumei a minha peruca e levantei da cadeira, me preparando para entrar no palco.

Quando olhei para o canto do espelho, dei um sorriso de lado ao ver o pequeno Tsuru amarelo que eu tinha colocado ali hoje à tarde. Eu não esqueceria Júlia, mas esse era um jeito de me fazer lembrar da minha missão na terra: arrancar sempre um sorriso, um par de bochechas coradas ou um 'obrigado' de alguém.

Ouvi a música que anunciava o fim do número de Alexander e me preparei para subir no palco. Arrumei o meu nariz e respirei fundo, esquecendo pelo menos um pouco todos os recentes acontecimentos da minha vida.

Enquanto o meu número acontecia, eu via sorrisos sinceros e olhares felizes na minha direção e talvez antes dela isso me deixasse extremamente feliz.

Por diversas vezes eu precisei engolir o nó que se formou na minha garganta durante o espetáculo ao lembrar da primeira vez que eu estive em Horizonte Azul, da primeira vez que eu a vi na plateia e eu que eu percebi que não sossegaria enquanto não visse um sorriso no seu rosto.

"— Luan. — ela sussurrou meu nome e pouco o pouco o sorriso foi sumindo dos meus lábios.

Ela havia me reconhecido.

Mesmo com toda a tinta, todas as luzes e todo o meu figurino, ela havia me reconhecido."

Os sorrisos que eu dei durante essa noite não foram sinceros, foram apenas para que as pessoas não falassem que o palhaço não estava feliz.

Quando o espetáculo acabou, voltei para o camarim e comecei a tirar a maquiagem, agradecendo mentalmente por ter apenas um hoje à noite.

Assim que levantei a cabeça e olhei para o espelho vi meus olhos marejados. Neguei com a cabeça e fechei os olhos, sentindo as primeiras lágrimas rolarem pelas minhas bochechas.

Abaixei a cabeça e passei as duas mãos pelos cabelos.

— Precisa de ajuda? — ouvi uma voz feminina e levantei a minha cabeça imediatamente.

Olhei para a porta através do meu reflexo no espelho e meus olhos não acreditaram no que viram.

— Senti sua falta. — ela disse e eu me virei, segurando na penteadeira para não acabar caindo.

Me levantei devagar, ainda sem acreditar que Júlia estava na minha frente, com uma mochila nas costas e uma mala enorme ao seu lado.

— Eu imaginei que você fosse dizer algo quando me visse. Passei o caminho inteiro pensando nisso. — ela colocou uma mecha do seu cabelo atrás da orelha e eu dei pequenos passos na sua direção.

Seus olhos estavam marejados e mesmo tendo visto esse par de olhos azuis ontem de madrugada, eu precisava admitir que senti muita falta deles.

— Como... Você não... — eu não conseguia formar uma frase coerente. — Você está aqui. — eu chorava e sorria ao mesmo tempo.

— Sim. Um cara especial me chamou para ir embora com ele. — ela deu de ombros e eu coloquei uma das mãos na sua cintura e a outra no seu rosto, passando o polegar por cada parte da sua pele só para te certeza que ela estava aqui. — Me desculpa. Eu estava com medo e... — ela começou a falar e eu não a deixei terminar, juntando nossos lábios.

Ela sorriu e eu chorei ainda mais, não acreditando que isso estava mesmo acontecendo, que ela estava mesmo aqui, que ela veio mesmo morar comigo.

— Você está aqui. — sussurrei me afastando apenas para conseguir abraçá-la.

— E não pretendo sair nunca mais. — suas mãos me apertaram com mais força.

Nós precisávamos conversar, eu precisava saber tudo o que aconteceu nas últimas horas que a trouxe até aqui.

— Meu lugar é do seu lado. — assenti e beijei o seu pescoço antes de me afastar mais uma vez. — Mas eu preciso ligar para a Bea pelo menos uma vez por dia e você precisa ser sincero quando disser como eu estou. Meu pai disse que não abre mão de passar o aniversário dele e o natal ao meu lado e o Vitor falou que ainda quer ter uma conversa séria com você. — ela franziu o nariz e eu lhe roubei um selinho.

— Tudo pela minha garota. — falei e suas bochechas coraram. — Eu achei que não fosse te ver nunca mais. — juntei nossas testas e ela colocou uma das mãos na minha barba.

Eu te amo. — suas pequenas palavras me pegaram de surpresa.

O criador de sorrisosOnde histórias criam vida. Descubra agora