Cada texto é póstumo, pois cada dia eu morro. Cada ideia nasce morta, cada vontade desfalece ao surgir. Há muito isto deixou de ser questão de ser ou não ser.
Perdura, ao longo das horas, uma existência que, junto do dia, chega ao fim ao cair da noite. O véu negro que envolve o dia vem, também, para cobrir a vida que se esvaiu. O último suspiro (que nunca é, de fato, o último) vem para acalentar uma alma atribulada. Deitar-se na cama, fechar os olhos e sentir a existência ser levada embora... desejando que a mesma não me seja concedida (novamente) na manhã seguinte. Em vão.
O Sol nasce e o véu da pseudomorte é retirado. Hora de levantar e viver a pseudovida. É tudo "pseudoalgo" neste mundo de aparências. Os pássaros cantam, as flores brilham, o Sol resplandece, mas aqui dentro tudo está morto. Sou um veículo fúnebre para minha própria alma.
O tempo, cruel, não para de passar. Não vejo a hora de não mais sentir a hora passar. O mundo vai continuar da mesma forma que sempre existiu antes de mim. Se tudo que temos é o agora e o agora acaba no mesmo momento em que começa, qual a razão de adiar o inevitável?
Começa a escurecer, mais uma vez. Começo a morrer, mais uma vez. Mas esta vez será a última. O raiar do dia não tirará o véu estendido sobre meu corpo. Estes olhos não hão de ver a luz do Sol novamente. O tempo vai parar de passar. Será a última vez que ouvirei o badalar do sino.
O Sol nasce. Minha cama, vazia como sempre fora meu peito, contempla o corpo inanimado suspenso por uma corda.
Ninguém percebeu, ninguém notou, mas o tempo parou. A dor acabou.
Não ser. Não estar. Não.
Não mais.
Nunca mais.
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A Mor Te Que Ro
RandomUma seleção de textos que expressam diferentes sentimentos de forma crua, dolorida e verdadeira, utilizando metáforas para traduzir a excruciante dor de sermos o que somos.