Capitulo 3

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Skullrion

Ela estava olhando para mim dentre os parentes dele. Logicamente ninguém me conhecia. O que eu estou fazendo aqui então? Chorando sobre o caixão fechado de João. Usando uma peruca loira, maquiagem e óculos escuros. Eu sou uma mulher perfeita para aquelas pobres testemunhas oculares. Luvas combinando com as roupas femininas. Calças pretas e justas. E uma blusa preta sóbria muito comportada. O sutiã com bojo recheado de silicone industrial me incomoda, mas nada melhor que a adrenalina da caçada.

Segui a mãe pela funerária, até que ela estivesse só. Era minha maneira de prestar condolências ao homem que não foi capaz de me responder uma simples pergunta. No entanto fiquei encabulado quando ela sentou-se em um banco próximo de mim, sob a luz do sol na área verde do recinto. Ela não estava feliz, mas também não parecia triste, parecia pensativa. Precisava experimentar o que ela era, eu precisava sentir novamente o gosto de capturar um ateu. Minha tese seria confirmada com isso. Sentei-me ao seu lado e a olhei através dos óculos escuros. Sorri.

- Seu filho está na glória agora. - Vejamos o que ela responde.

- Não acredito nem em céu nem em inferno. - Que esplêndida resposta mulher.

- Você acredita em que? - Perguntei contendo minha vontade de leva-la.

- Em mim, e no que posso tocar. - Respondeu cética. Como era interessante ver os dois lados da moeda. Um acha que com Deus pode se curar, outro acha que por si só pode se curar. Ninguém acerta.

- Está bem. Seu filho era um ótimo trabalhador. Vendeu uma casa pra mim. Atencioso e respeitável. A esposa dele e os dois filhos são aqueles ao lado do caixão não são? - Perguntei, sentindo a garganta doer. Fingir voz de mulher com perfeição exige demais das minhas cordas vocais.

- São sim. Minha nora é doce e amável. - Senti um peso na voz dela. Como se a nora fosse alguém a quem ela devesse perdão.

- Vocês não se dão bem?

- Infelizmente ela sabe do que já fiz em meu passado. Ela tem ódio de mim. - Respondeu amarga.

-Então você não pode ver seus Netos? - Indaguei curioso.

- Não... - Senti a voz ficar embargada. A emoção surgindo aos poucos no rosto marcado por rugas, sinais evidentes de velhice, mas com roupas e jeito de ser vinte anos mais nova do que era.

- Muito triste... - Me compadeci - Quer alguma coisa? - Adoro esse teatro.

Ela me pediu agua então busquei e depois entreguei a ela um copo cheio de água. Depois disso dispersei da conversa, buscando disfarçar meu interesse nela.

Por fim, vi que o funeral já havia acabado e que ela queria ir embora. Era minha oportunidade, visto que ela iria embora de ônibus. E a roupa de mulher estava me incomodando mais que o habitual. Talvez por que a esposa de João fosse muito bonita, e a ereção enquanto preso para trás fosse absolutamente dolorosa (Isso foi irônico, é claro que é doloroso). Peguei logo meu carro e parti para ao lado da mãe. Ela aguardava o ônibus no ponto quando buzinei. O sorriso estampou em seu rosto sem delongas entrou contente no carro. Mal sabia ela que acabava de cair como uma mosca na teia de aranha. Sai com o carro tranquilamente, rumo ao fim de mais uma vida.

No caminho evitei conversar muito, apenas ouvi ela contar histórias sobre como sua vida fora difícil. E comecei a pensar que talvez não me fosse necessário fazer a pergunta a ela. Com certeza ela erraria e com certeza eu a mataria. Então seria mais um fardo do que uma busca pela resposta. Avistei o hotel onde ela está hospedada se aproximando. Precisava me decidir, se iria realmente fazer algo ou não. A polícia a essa hora estaria buscando pistas e ela seria logo revisitada. A mensagem que deixei só faria sentido a um bom detetive, e ouvi falar que o investigador Danilo era bom. Vejamos o quanto. Se for rápido ele estará na frente do hotel aguardando a chegada da senhora. E se ele estiver ali, com certeza é um bom detetive. Seguiu todas as minhas migalhas. Quero ver seu rosto, quero ver se ele é capaz de me vencer.

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