Tinha pegado no sono na noite anterior. Havia acordado e já ouvia os sussurros vindo de trás da porta, uma voz cansada e frágil:
-Vejam, ele acordou, venham ver.
Disse uma velha que nunca havia vido na minha existência cruel. Eu nem sabia ao menos qual parentesco tinha com ela. Eu estava quase de ressaca, queria gritar e mandar todos se foderem e seguirem suas vidas cansadas e adorassem a um Deus até a morte, assim como minha mãe fez.
Mas por fim eu não disse nada. Abri a porta, segui ao banheiro. Merda, aqueles olhares curvados para mim eram a pior coisa que poderia ter acontecido, olhos de todas as cores e etnias me olhando com um sentimento de pena e tristeza. Minha mente raciocinava tudo aquilo e me dizia:
-Que porra você está fazendo ainda nessa casa?
Então usei o banheiro, levantei as calças com o mijo respingando no chão e disse:
-Estou saindo novamente, me digam que horas será o velório e estarei lá.
Um homem cuja aparência era entristecedora, com olhos cansados e uma raiva que habitava naquele ser. Eu conseguia ver-me na idade daquele homem, naquela mesma maneira como ele estava. Disse:
-Será por volta das 10hrs (da manhã)
Eu disse:
-Ok senhor, obrigado.
Então, peguei minha camiseta e minhas chaves, destranquei a porta e sai. Nem ao menos me lembrava que tinha um pacote de maços no meu bolso. Acendi um cigarro e sentei no meio-fio, não havia ninguém na rua, apenas a minha impossibilidade de andar num momento como aquele, e eu, um jovem de 13 anos querendo gritar pro mundo o que ele fez de errado para tudo isso ter acontecido com ele. A tristeza consumia meu coração fazendo-me chorar lágrimas pesadas e contínuas; parecia-se com uma cortina de água que nunca acabara.
Criei coragem, levantei e olhei ao relógio duma padaria que havia na esquina. Era 9hrs e 12min. Havia tempo o suficiente de fumar outro cigarro e andar um pouco. Continuei caminhando naquela rua que havia sido varrida pelo ar gélido da morte de um ente querido. Eu conseguia sentir todos os piores sentimentos naquela rua que eu e ela pisamos tantas vezes.
Eu havia andado para um caralho, era 9hrs e 40min. Havia uma pessoa vindo em minha direção, mas meus olhos estavam quase se fechando e não conseguia ver quem era. Era Isa, uma amiga de infância minha que eu me afastara alguns tempos atrás. Ela veio minimamente correndo e disse-me:
-Victor, por onde andou? Fiquei sabendo do que aconteceu, como você está?
Merda, eu não queria ter que me explicar. Aquela vizinhança não servia de nada a não ser contar problemas pessoais dos outros, eu estava evitando de falar com alguém sobre isso e esses pedaços de merdas, velhas que não valem o café que fazem, saem por ai espalhando coisas. Por fim, eu a disse:
-Eu estou morando no mesmo lugar, estou bem quanto relação à isso. Não se preocupe.
Eu não estava bem, eu estava desmoronando e conseguia ver minha vida se assimilando a um grafite de compasso. Eu estava para morrer.
Isa era uma mulher e tanto, digo, possuía uma bunda grande e seios razoavelmente grandes, possuía parte do seu corpo grandes, as que eram boas pelo menos. Antigamente, eu queria me deleitar sobre aquela bunda, provavelmente dormiria em 45seg depois de uma foda incrível. Por fim, ela me disse:
-Espero que dê tudo certo, não dará para comparecer no velório, desculpe. Mas estarei rezando por você. Boa sorte.
Eu a disse:
-Você quem sabe, obrigado.
Não havia motivos para rezar para qualquer Deus naquele momento, não adiantaria e nem mesmo aliviaria a dor da perda de alguém. Isso é idiotice e eu era um idiota naquele momento.
Sai andando, era por volta de 9hrs e 50min. Eu estava chegando na igreja onde o corpo seria velado. Havia pessoas na porta e escadas, entrei pelos fundos. Fiquei esperando por volta de 5min. Até que uma van chegou, com o corpo da minha mãe e a botou no meio daquele espaço branco e com umas flores por volta do caixão; eu me perguntava que porra era aquela, não fazia sentido a morte dela.
Com o passar do tempo naquele ambiente, fui sentindo enjoo. Estava segurando o choro por um momento, metade das pessoas que estavam ali me olhavam. Eu não suportava aquilo, me atirei contra aquele pedaço de madeira, vi seu rosto pela ultima vez. Sua boca roxa por não gostar de batom. Sua roupa preferida vestida e um véu branco cobrindo todo o corpo. Eu a tocava na testa e bochechas sentindo sua pele lisa e gelada, um morto afinal. Vi toda a minha infância e pedaços de uma pré-adolescência indo embora, uma felicidade imensurável se transformando numa tristeza e um ódio pelo mundo. Momentos esses que, ao ponto de me matar e nunca mais sofrer por aquelas cenas se tornavam uma ideia boa, afinal, morrer ali seria matar dois coelhos com uma cajadada.
Era por volta de 12hrs quando eu não aguentava mais chorar, espernear-me na frente daquelas pessoas vazias que então, decidi largar tudo ali e ir para casa. A casa estava vazia naquele momento, aquilo era maravilhoso, a sensação de estar sozinho num mundo já habitava em mim. Entrei no meu quarto, acendi um cigarro e botei uma ópera. A música sempre esteve comigo, na tristeza ou na felicidade. Era minha parceria de boas batalhas. Estava tocando algum concerto de Chopin; conseguia sentir a tristeza nos dedos de Frédéric entrando dentro da minha mente e me acalmando por um período de tempo indeterminado. Já era por volta de 14hrs da tarde, o corpo ficara ali um dia. Será o enterro no próximo dia e mais uma vez terei que aguentar essas pessoas, eu odiava todos e até mesmo a mim. Não queria apoio e muito menos amor. Só queria vegetar no mundo até o momento que tudo isso passasse, ficar sozinho para mim era por fim um refúgio. Eu fugia do olhar entristecedor daquele pessoalzinho nojento e, pensava em boas coisas com ela e sentia o vazio dentro de mim desvanecer-se e sobrar apenas uma razoável felicidade. A música havia acabado, uma junção de concertos de 4hrs, já era 18hrs da noite quando as pessoas chegavam em casa, ouvia a porta rugindo como um leão e batendo-se contra o vento como uma águia. Resolvi dormir para não ter que aguentar aquelas vozes ecoando ao fundo e as luzes passando pelos vãos da porta.
Um dos meus primos, o que eu mais me dava bem havia aparecido em meu quarto. Eu estava triste e puto, disse-me:
-Ei, vamos dar uma volta.
Eu o disse:
-Cara, saía daqui. Me deixe sozinho, por favor.
Ele deva ter ficado triste, mas eu não dei a mínima. Eu estava mal e ele entendia isso. Por fim, eu apaguei na cama, com as vozes de fundo falando sobre Deus e como ele é ''bondoso'', me causou nojo e sono tudo isso. Mais um dia havia se passado e minha vontade de morrer havia também aumentado.
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UM BRINDE À TRISTEZA
Non-FictionEscritas nesse livro estão coisas que aconteceram antigamente e recentemente comigo com uma pegada mais depressiva e uma visão cansada da vida e de tudo que habita nesse mundo. Histórias como: Morte de um ente querido, decepções amorosas e vazios ex...