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Havia chegado o dia do enterro, Segunda-Feira, 3º dia de julho de 2017.
Eu acordara por volta de 7hrs da manhã. Não havia ninguém em casa naquele momento e, era o único e último dia que eu pudesse ficar em paz naquele antro. Me levantei, fui ao banheiro como de costume, mijei e tomei um banho. 
O silêncio frustrante habitava naquele ambiente cobrindo toda a casa e todo o meu coração, conseguia sentir as paredes se desfazendo e abrindo um caminho para um mar, um mar escuro cuja tenacidade era diferente dos mares normais. Era um mar com um azul puxando para o vermelho, inundando toda a casa. Eu já não conseguia ouvir nada, nem mesmo o canto dos pássaros pela manhã. O que passava pelo meu sistema auditivo era apenas o barulho das ondas se quebrando simultaneamente. Metaforicamente falando, era uma janela rugindo ao abrir e ao fechar.
Por um instante aquilo havia desaparecido, eu não sei o que era exatamente na época e nem mesmo hoje eu sei, passara 2hrs após esse acontecimento, as pessoas iam chegando em casa, abrindo a porta de maneira preocupante. Não sei se era minha mente produzindo um som de um leão rugindo por ajuda ou a porta que estava com problemas, mas isso não importava. Meu tio apareceu no meu quarto, ligando aquela luz que eu já não via a forma que cobria o meu quarto durante 2 dias, disse-me:
- Se arrume, o ônibus já irá chegar.
Eu refutei, dizendo:
-Não me apresse, nem mesmo queria eu, ir.
Em seguida, ele disse:
-Você tem que ir, não tem nada a escolher por agora.
Eu não me importava com o que ele falava naquele momento, estava de cabeça cheia. Virei meu corpo contra a parede e disse:
-Como quiser, agora deixe-me me arrumar.
Ele saiu do quarto, batendo a porta num tom raivoso. Bom, eu entendia ele de alguma forma, perdeu uma pessoa que sempre esteve ao lado dele d'uma forma entristecedora. Comecei a me arrumar, botei uma blusa cuja cor era vermelho vinho, os botões estavam para quebrar, uma calça jeans escura, um tênis desgastado e um pingente, já era por volta de 10hrs quando as pessoas iam descendo de encontro ao ônibus. Pessoas de outras cidades que tinham algum parentesco com minha mãe iam aparecendo, eu evitava de falar mas sempre jogavam um ''Oi'' para mim. Não conseguia suporta aquilo, havia pessoas de todos os lugares, havia corações que não se importavam com nada do que estava a acontecer porém tinham bom-senso; eu sabia que isso no final era uma manobra deles.
Por fim, o ônibus chegou e as pessoas já iam entrando, eu fui o último a entrar. Havia muitas pessoas. Fui ao outro lado da rua onde havia um mini-beco, acendi um cigarro e fumei-o rapidamente, sentei na parte do fundo e na janela esquerda do ônibus. Era um caminho de mais ou menos 20min, eu já estava enlouquecendo dentro daquela merda que chamavam de ônibus. As vozes frágeis das velhas da igreja me causavam uma agonia, eu queria gritar, me mover e não conseguia; o único sentimento que habitava em mim dentro daqueles 3 dias era ódio genuíno por aquelas pessoas. Por fim, eu havia chegado no cemitério onde o corpo seria enterrado. O local era nojento, covas para todo o lado e cujo território era gigantesco, isso me causava uma sensação de segurança e paz, era como se eu estivesse em casa de manhã sem nenhuma voz. O cemitério possuía uma melancolia que jamais havia visto, afinal, era minha primeira vez em um.
O corpo já havia sido enterrado, mas eu estava esperando as pessoas saírem de volta dele para eu poder ir vê-lo. Havia choros das pessoas próximas, havia vozes ecoando na minha mente; parecia-se com Lilith a ponto de habitar em um corpo virgem. Minha cabeça doía e eu sentia-me tonto, deitei naquele caminho de pedra, o sol beijando as folhas da arvore em cima de mim, refletindo sua luz forte nos meus olhos fazendo com que eu feche-os rapidamente e só sobrasse o resquício da luz branca projetada pela minha mente.
As pessoas já estavam voltando para ônibus quando me levantei e fui até a cova, passei a mão por cima daquela terra úmida e as lágrimas pesadas voltaram a aparecer, batendo na terra com toda a força parecendo-se com uma daquelas geadas fortes, meu coração doía, era uma dor que eu não desejava nem para meu pior inimigo. A solidão consumia todo meu corpo como um demônio, a dor da perda de alguém nunca foi tão doída e árdua para mim; esses sentimentos me matavam a cada dia que passava e eu não sabia o que fazer, nenhuma palavra saía da minha boca naquele momento, eu me sentia perdido num mundo gigantesco. A direção espiritual em que eu seguia se tornavam círculos que nunca acabavam, sentia Chronos cortando a minha alma, como na arte Pierre Mignard. Não quero fazer dessa parte uma choradeira intensa ou algo que me desmotive de continuar essa obra, por muito tempo eu vivi me escondendo e evitando esses sentimentos importunos dentro de mim. Uma bomba explodira em meu coração, espalhando destroços e resquícios por todo o meu interior. A dor me corroía, era como um gato arranhando a porta a espera do seu dono, como um cachorro latindo contra um ladrão, como uma tulipa na chuva.
O ônibus já estava dando partida e então tive que ir, no caminho de ida ao ônibus, limpei as lágrimas para não ter que dar explicações, eu estava cansado de dar explicações; do que serviria naquele momento?, de nada. Só iria causar uma leve tristeza e pena naquelas pessoas que já me causavam tanto ódio.
Havia chegado em casa, a família mais próxima da minha mãe se juntara para falar sobre mim, era algo como quem ficaria com minha guarda ou alguma merda do tipo. Tanta coisas para falarem, tantos sentimentos e ódio para pôr coração a fora. e esses degenerados queriam falar sobre minha guarda?, isso não fazia sentido. O modo no qual eles lidavam com a porra da morte de uma pessoa era totalmente frio. Eles não se importavam se eu estava se desmoronando por dentro, eles queriam discutir sobre a coisa menos importante. Eu decidi dormir, afinal, dormir era uma morte temporária em que eu pudesse sonhar com minha mãe; o meu único refúgio era dormir. Não escutava a voz de ninguém, não enxergava nada e não falava com ninguém. Ah, minha mãe,  como queria eu ser você.

UM BRINDE À TRISTEZAOnde histórias criam vida. Descubra agora