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Eu havia acordado com dores pelo corpo todo, os raios solares passando pelo vidro da janela batendo em meu rosto fazia com que sentisse-me incomodado com os raios daquela bola gigantesca de fogo. Levantei-me rápido e senti uma tontura, fui à janela, abri-a e observei toda aquela cidade, meu coração devastava-se em um turbilhão de pensamentos, uns tristes e outros rancorosos, minha mente sentia-se cansada, meu corpo não havia movimentações de átomos. Fiquei ali, pendurando-me na janela por um longo tempo, vendo as pessoas movimentarem suas pernas frágeis com um teor de cansaço da vida, os corações cheios de problemas amorosos e familiares, preocupação com a vida, trabalhos e conta. Tudo isso já não importava para mim, os problemas amorosos me levaram  à um caminho de um ser malévolo que já não sentira nada. Os problemas familiares me causavam enjoo, queria afastar-me daquele turbilhão de pensamentos que no fim causavam-me agonia. Mas, ficara-me ali, pendurado naquela janela com um coração rasgado pelo destino, os sons urbanos me traziam uma paz, o sol radiante batendo em minha face fazia com que eu pensasse sobre todo o universo. Crianças passando para lá e para cá, indo e vindo de suas escolas, eu teria que ir à minha algum dia da semana que se aproximara. 
Sair do quarto era uma tarefa difícil pois teria que ver o rosto de todos que ali estavam, reunidos falando ainda sobre minha guarda, uma conversa tão monótona que parecia-se com a conversa dos jovens do ensino médio. Eu preferiria estar em um boteco, ao redor de velhos bêbados e fodidos da vida falando sobre a economia do país do que estar naquela casa caindo aos pedaços com cada palavra profanada por aqueles vermes com um coração gélido. 
Abri a porta, por graças à algum Deus eles estavam em outra parte da casa, usei o banheiro como de costume e saí pela porta da frente sem ser notado. Novamente havia fumado um cigarro, a cartela estava se esgotando e eu estava duro para poder comprar outra. Fui à uma praça consideravelmente abandonada pela minha comunidade, sentei em um dos bancos de concreto, acendi um outro cigarro. Fumei, fumei e fumei. Nada resolvia. A dor da perda não passava, apenas quando eu dormia. Falecia-me em uma cama dura e gélida. Atordoava-me da realidade árdua que estava comparecendo em meus dias. Voltando para casa, por volta de 18hrs, os postes continuavam a não ter luz necessária para iluminar toda rua, como de princípio isso era maravilhoso. Chegando em casa, subindo as escadas percebi uma conversa diferente. Era meu pai, um homem que nunca vi na vida desde minha existência cansada. Lá estava ele, cabelos grisalhos, casaco preto e calça jeans. Morava na parte rural de uma outra cidade, abandonara minha mãe quando eu nasci. Batia-a quando estavam juntos. Aquele homem era a junção perfeita do ódio que eu sentia por humanos, o sangue dele corria em minhas veias e isso me causava nojo. Era eu, sangue do sangue desse filho d'uma puta, eu já não sentia vontade de entrar naquela casa, nem mesmo em meu quarto. Entrei e sentei-me numa cadeira, veio até a mim e disse:
-Meu filho, como tem sido sua vida, como você está com toda essa situação?
Esse senhor queria mesmo que eu dissesse como estava minha vida?, depois de ter ido embora durante 13 anos e voltara como nada tivesse acontecido?. Eu não sabia nada sobre ele, nunca fizeram esforço para contar-me quem era o desgraçado que fazia minha mãe sofrer quando grávida de mim. Olhando dentro dos olhos dele consegui sentir a dor, dor de estar vivo, dor de permanecer nesse mundo, cujo homem já não pertencia à nenhuma sociedade, assim como eu. Minhas pernas e braços tremiam-se fazendo com que a cadeira se tornasse bamba, eu queria chorar por tudo que estava acontecendo, queria explodir a cabeça desse desgraçado com uma bala de 12, o sangue dele jorrando em todo meu corpo explodiria todo o ódio que tinha dentro de mim. Por fim, eu o disse:
-Estou bem, Pai.
Ele rebateu dizendo:
-Ótimo, se você quiser pode passar por volta de uma semana lá em minha casa, que é sua também.
Eu refutei dizendo:
-Não preciso de algo como isso, mas pensarei no caso.
Por fim, acabei indo. Não custava nada tentar alguma coisa, algum tipo de reconciliação e saber o que realmente aconteceu nessa época. Tive que viajar para casa de um outro tio, dali ele me pegaria de moto e me levaria até a casa. A casa ficava em cima de uma montanha, por isso, tínhamos nós que passar por vários morros até chegar lá. A moto derrapava na lama criada com a chuva. Eu ia passar por volta de uma semana naquela casa caindo aos pedaços, no primeiro dia foi calmo. Fiquei sozinho em casa, tomei a sua cachaça e xinguei-o em voz alta. Não havia ninguém por perto, a casa era a única naquela parte da cidade. Meu coração doía tanto ao ver aquele homem na minha frente, toda a luta que minha mãe passara estava ali, o motivo, todo a minha frente. Eu poderia ter feito alguma coisa mas, sentia-me fraco com o passar dos dias naquela casa. Mesmo estando sozinho a maioria do tempo, sentia minha energia sendo sugada por algum demônio, havia ficado bêbado. A cachaça rasgava a minha garganta e eu não conseguia parar. Conseguia sentir que a morte estava ali, bebendo comigo.
Ele não conversou muito comigo, nem esperava eu que ele conversasse. Ele chegou por volta de 22hrs da noite, eu já estava quase para dormir. Ouvi a porta novamente rugindo como um leão. Disse-me:
-Você irá embora amanhã, não há condições de ficar aqui. Não consigo gostar de você e nem ao menos te considerar alguma coisa, me perdoe.
Eu rebati dizendo:
-Como quiser, minha mochila já está arrumada mesmo.
Eu  já sabia que isso ia, de certa forma, acontecer. Nem mesmo eu que fiz o esforço de tentar alguma coisa me sentia bem em relação à tudo que estava acontecendo. O que mais me deixava fodido era o jeito que ele falava, como se nada no passado tivesse acontecido. As agressões, as brigas e separações. Não importava, peguei no sono em meio a esses pensamentos idiotas.
O dia já clareava, resolvi ir para casa o quanto antes. O vento natural da estrada me acalmava, o barulho da moto era uma arte natural das coisas, uma sensação que nunca sentira antes. Percorri todo aquele caminho novamente, única e última vez que isso aconteceria. Nunca mais iria voltar aquela casa a não ser para vende-la. Havia já chegado em casa depois de um tempo sentindo o cheiro daquele filho da puta que estava à minha frente na moto.
Enfim, em meu quarto monótono, escuro e solitário. Mas um lugar que eu poderia chamar de MEU sem nenhum resquício de ódio, um lugar que me trazia uma verdadeira paz. Botei algum concerto de Beethoven, me deitei e senti minha vida indo embora lentamente, eu estava morrendo, filosoficamente falando, eu estava entrando em um epicurismo monótono. Eu me sentia bem, de alguma forma, eu estava feliz por estar dentro do meu quarto.


UM BRINDE À TRISTEZAOnde histórias criam vida. Descubra agora