Capítulo 3 - Acordes e Acordos

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Quem entrava no Touro Manco não conseguiria mais saber que há pouco tempo lá havia sido palco de um combate se não fossem pelas manchas de sangue no chão, onde Elga passava um esfregão insistentemente, ou pelas mesas e utensílios quebrados sendo recolhidos por seu pai. A tensão ia sendo substituída pouco a pouco pela festividade. O som no salão não era mais de metal colidindo e sim da voz melodiosa do bardo. Ameaças, a pouco extremamente reais, se tornaram agora momentos perfeitos para arrancar suspiros dos ouvintes.

Laucian contava os eventos recém acontecidos para os que chegavam na taverna, adicionando detalhes emocionantes e entrelaçando os momentos de maneira poética de forma a criar mais excitação. O fazia com tanta convicção que mesmo aqueles que presenciaram a batalha se deixavam entusiasmar. O elfo andava entre as mesas, às vezes passando por cima delas, imitava o movimento dos golpes, tudo acompanhado de pequenas interjeições musicais para efeito dramático.

Chadwick seguia o bardo com um olhar deslumbrado, estava como uma criança ouvindo seu conto favorito. Dava um grito de euforia cada vez que seu nome era mencionado ou quando um orc era derrubado.

Thereor acompanhava mais comedidamente a narrativa. Sentia um certo orgulho do seu pupilo. Era seu mentor espiritual há muito tempo, se preocupava sabendo que ele era impulsivo, apesar de talentoso, mas hoje teve a chance de ver que era também corajoso e leal. Sentiu-se feliz ao ver sua primeira vitória. Observava também seus dois companheiros de combate, o bardo e a guerreira, que bebia solitária na mesa próxima à janela.

Anita olhou algumas vezes e ergueu sua caneca quando seu nome foi mencionado, na maioria do tempo apenas bebia e olhava para o vazio da chuva através da janela. Seu rosto era permanentemente sisudo e melancólico. Laucian encerrou o conto com uma forte e rápida sequência de acordes no seu bandolim enquanto narrava a derrota dos últimos inimigos. As pessoas à sua volta aplaudiram e o bardo agradeceu com uma saudação.

— Agradeço à vossa atenção, mas agora tenho sede e preciso de algumas cervejas antes de voltar com mais canções. Ficarei grato se puderem colaborar com este humilde bardo — disse, estendendo uma pequena bolsa de couro vazia.

Algumas moedas foram depositadas na bolsa, ele fez outra reverência e sentou-se na mesa com Chadwick e Thereor.

— Vejo que além das armas, você também tem talento com as palavras — elogiou o clérigo.

— Ao contrário, senhor. Vivo pelas canções e contos, porém um viajante solitário como eu deve saber uma coisa ou outra para momentos complicados.

— Coisa ou outra nada! — interrompeu Chadwick, começando a ficar ébrio. — O Lucian me ajudou pra caralho.

— Laucian! — corrigiu Thereor. — E cuidado com a língua!

— Isso! Acertou uma flecha no pescoço do orc. Que pontaria!

— Obrigado, Chad. Aquilo foi sorte — disse o bardo com uma falsa humildade enquanto fechava o punho ao redor do pingente em forma de dado em seu pescoço. Aquele era um dos símbolos de Zellyr e o movimento era comum como agradecimento ao deus do acaso pela boa sorte, um caminho fácil ou simplesmente ter saído vivo de uma situação perigosa.

— É Chadwick! — corrigiu o monge, se vingando.

— Eu sei — o elfo sorriu, já esperando a reação — Mas no meu idioma temos a palavra Shied, de pronúncia muito parecida com o início do seu nome, significa lutador. Achei que combinava com você.

— Hummm. Neste caso, concordo — se virou para Thereor. — Viu isso? Já tenho nome de herói.

O clérigo apenas sorriu levemente e mudou a direção do assunto.

A Canção do Bardo - O Primeiro Acorde [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora