Abri os olhos com dificuldade quando ouvi o despertador tocar. Respirei fundo, passando suavemente os dedos pela tatuagem recém feita, que começara a cicatrizar.
- Argh! - resmunguei, reclamando da coceira.
Demorei um pouco para me dar conta que ainda estava com as roupas da noite passada e que o cheiro de cigarro barato, maconha e vodka estavam impregnados em meu corpo.
Com um movimento preguiçoso, alcancei o saquinho no qual guardo minha erva, que gosto de fumar todas as manhãs para começar o dia bem: não tinha um suficiente para um fininho sequer.
"Bom... Acho que exagerei ontem."
Arremessei o resto de erva de volta à caixa de madeira que uso como criado mudo e acendi um cigarro, fazendo uma careta: o cigarro era horrível.
"Que merda eu estava pensando quando comprei isso?"
Sabendo que um cigarro ruim ainda é melhor que cigarro nenhum, respirei fundo e traguei mais uma vez.
"Um banho cairia bem agora, nem eu aguento meu cheiro."
Levantei da cama com dificuldade, sentindo minha cabeça latejar.
"Merda, quanto eu bebi ontem?" - me arrependi.
Hoje meu humor começou equilibrado: ruim o suficiente para bater em alguém, bom o suficiente para não matar ninguém: pede uma roupa diferente, inovadora.
Fui até o guarda-roupas. Suspirei, apoiada na porta, encarando as camisetas. Acabei pegando a minha preferida, que eu uso direto: uma regata branca, estampada com uma caveira que daria uma tatuagem perfeita.
- Foda-se a inovação, vai ser você mesmo. - falei para a camiseta, conferindo se ela estava limpa.
Peguei meu mesmo jeans rasgado de sempre, uma jaqueta preta e uma calcinha, joguei tudo no ombro, apaguei o cigarro, deixando a janela aberta para amenizar o cheiro e fui correndo em direção ao banheiro. Antes que eu pudesse fechar a porta, ouvi um grito:
- Cléo Price, o café está na mesa faz tempo! Desça logo, preciso falar com você já!
- Já desço, mãe! - gritei de volta, triste: nada de sentir a água quente no corpo. O mais rápido que pude, joguei todas as minhas roupas no cesto, vesti as roupas novas e passei um pouco de desodorante. Meus cabelos, que batiam na cintura e foram recentemente pintados de azul, estavam me dando desgosto, mas passar creme só pioraria a situação: passei a escova rapidamente pelas mechas, lamentando, como todos os dias, ter nascido com os cabelos tão lisos.
"O que eu não daria por um pouquinhozinho de volume nessa merda..."
- Cléo! Agora! - mais um grito de Joice na cozinha.
Virei os olhos, me olhando no espelho uma última vez antes de descer correndo as escadas, de três em três degraus, como de costume.
- Quantas vezes vou ter que mandar você ter cuidado com a escada, filha? - o humor dela estava visivelmente pior que o meu.
- Faz três anos que você não reclama disso, mãe.
- Senta, Cléo.
Merda, a conversa seria séria.
Sentei no canto da mesa, só com uma caneca cheia de café. Recusei com a cabeça quando minha mãe ofereceu panquecas com bacon. Não é que eu seja ingrata, mas, quando sua mãe trabalha em uma lanchonete, você meio que fica cansada de comer comida de lanchonete todo santo dia.
- Eu e o Davi estávamos conversando...
Davi é o namorado cuzão da minha mãe. Um militar que acha que todo mundo tem que concordar com ele. O tipo de cara que me dá nojo: não aceita opiniões nem "nãos". Meu pai morreu no dia do meu aniversário de 14 anos e exatamente um ano depois fui apresentada ao novo ser que moraria em casa.
- É, eu não me interesso pela opinião do seu namoradinho idiota, mãe.
- Ele não é meu namoradinho, Cléo, é seu padrasto e espero que você o respeite como tal. - virei os olhos - E ele acha que passou da hora de você tomar jeito na vida, filha... Eu aceitei seu vício em cigarros e maconha, acreditava que não poderia fazer nada, mas as coisas estão diferentes agora. A tatuagem que você fez sábado, o cabelo azul... - ela agarrou uma mecha do meu cabelo, me fazendo desviar, fechando a cara - Foi a gota d'água, filha, não pode continuar assim. Isso vai continuar na sua pele para sempre, você sabe, não é?
- É óbvio que sei, Joice. Eu não teria guardado dinheiro por meses se fosse para sair com água. - vi a decepção nos olhos dela - Acabou?
- Cléo... Que drogas você está usando? Eu sei que maconha dá fome e você está tão magra...
Minha mãe segurou meu braço e seu polegar pôde encostar no dedo indicador, provando que eu realmente estou abaixo do peso. Puxei meu braço, levantando e virando todo o café, já gelado.
- Nem pense que vai faltar da aula por causa de ressaca. O Davi vai te levar.
- MÃE, NEM FODENDO! - abaixei o tom quando vi a reação dela - Você sabe que não nos damos bem, eu não. Vou. Pegar. Carona. Com. O. Davi. - pausei em cada palavra, tentando acentuar o protesto.
- Sim. Você. Vai. - droga, ela acentuou também. - Você vai, vai tratar seu padrasto com respeito e agradecer pela carona.
Sem falar mais nada, virei as costas e saí, batendo a porta.
Na garagem estavam Davi e seu dodge. Ele não merece dirigir isso. Ao me ver, o homem estalou os dedos e apontou para o chão ao lado dele. Parei mais de dois metros longe.
- Não sou um cachorro, se quer me chamar, meu nome é Cléo.
Virando os olhos, ele "ordenou" que eu pegasse sua caixa de ferramentas na garagem. Fui, tentando evitar discussões.
A caixa de ferramentas do meu pai ainda estava lá: simples, mas que me trazia memórias maravilhosas de quando consertávamos carros juntos. Ao lado estava a do Davi, tão grande que beirava a ostentação, propositalmente colocada ao lado da de William, como que na intenção de humilhá-lo. Olhei para ele, que estava distraído com qualquer coisa, e aproveitei a oportunidade para passar uma mensagem. Peguei do bolso minha caneta de pichação. Escrevi "INTRUSO" no lugar onde ele costuma colocar sua bugiganga, peguei a caixa e levei até ele, soltando o objeto no chão sem desviar o olhar de desprezo.
Sentei na mureta ao lado do carro e acendi um cigarro enquanto esperava.
- Sabe que isso vai te matar um dia, não sabe?
- Eu tenho 16 anos, Davi. Não parece, mas conheço as consequências dos meus atos. Fique tranquilo que sei que cigarro mata. Inclusive, já pensou em começar a fumar? - sorri, estendendo o cigarro em direção a ele. Percebi que, se pudesse, ele me fuzilaria com o olhar.
Assim que joguei fora a bituca do cigarro, o militar bateu o capô do carro. Me levantei e abri a porta do banco de trás, atrás do banco do motorista, onde ele não poderia ter visão de mim.
- Pode sentar no banco do carona, mocinha, eu não mordo.
- Vou passar essa.
Ele arrancou com o carro e falou o que eu mais rezei para não ouvir:
- Temos que conversar.
Olhei para ele pelo retrovisor, mostrando que estava ouvindo.
- Você tem que tomar jeito na vida, Cléo. Drogas, álcool, cigarros, festas, tatuagens, cabelo colorido... Você está destruindo sua vida e magoando sua mãe.
- Você pode deixar a Joice fora dos nossos desentendimentos, ok? - ele me olhou pelo retrovisor.
- Você já passou muito tempo sem uma figura masculina em casa, Cléo Price. Já passou da hora de alguém te colocar de volta nos trilhos.
Não acreditando que ele disse isso, lancei um olhar carregado de raiva e encostei a cabeça no vidro, me esforçando para não mandar ele tomar no cu: minha mãe ficaria extremamente chateada.
Não prestei atenção em absolutamente nada do que Davi disse depois daquilo e, assim que o carro parou, desci, batendo a porta e caindo fora dali o mais rápido possível.
Amarrei os cabelos enquanto subia as escadas para entrar no colégio, sentindo os olhares para cima de mim. A tatuagem gigante e o cabelo azul eram novidade.
Parei em frente ao mural de avisos para conferir se tinha algo importante escrito. Nada além de uns panfletos anti-drogas que me fizeram soltar um sorriso sarcástico.
Continuei caminhando até a entrada, tentando me lembrar em que merda de sala era a aula de química.
Demorei alguns minutos para encontrar meu armário, de onde tirei meu caderno, uma caneta e um livro pra lá de destruído.
Respirei fundo antes de entrar na sala 5B: "vamos lá, Cléo. Mais uma semana começa na prisão BeW.
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Esconderijo
FanfictionEnquanto Cléo Price não tinha nada, Raquel Amber poderia ter tudo o que quisesse. Enquanto Cléo Price se perdia em festas, drogas e amores passageiros, Raquel Amber tentava manter a imagem de boa filha e aluna exemplar durante o dia sem perder as di...