FOGO

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[Nota da autora]
O capítulo anterior, "WILLIAM", ficou extremamente curto, por isso resolvi postar um maior logo em seguida. Esse capítulo seria postado apenas na semana que vem, então peço desculpas desde já por eventuais atrasos.
Boa leitura!

Well if you wanted honesty
That's all you had to say
I never want to let you down or have you go

- Que... - Me levantei com dificuldade, minha cabeça latejava. Maconha seria uma ótima ideia agora. Coloquei a mão no bolso antes de lembrar que eu não tinha nada comigo.
- Droga! - Resmunguei, chutando a roda da caminhonete que estava à minha frente, olhando para ela, deprimida, por alguns segundos.
Chacoalhei a cabeça para espantar os sentimentos que invadiam minha mente e peguei o celular, procurando nos contatos pela letra "F". Fernando Bowers.

Oi, Bowers. Me salva?

Coloquei o aparelho no bolso e sentei no capô da caminhonete, esperando longos minutos até o celular tocar novamente, indicando a chegada de uma nova mensagem. Eu já havia fumado três cigarros quando o traficante finalmente me respondeu.

Oi, Price. Você me deve 50.

Coloquei as mãos nos bolsos para contar o dinheiro que eu tinha. Vendi uma camiseta que não usava mais semana passada e guardei um pouco do dinheiro e...
Quando coloquei as mãos no bolso da frente da minha calça, lembrei dos quatro mil reais que achei com a Raquel mais cedo. Dividimos entre nós duas. Eu tinha dois mil reais e tinha me esquecido completamente disso.

Tenho 300.

Cinco minutos depois, a resposta:

Você sabe onde eu estou.

Acendi mais um cigarro, tragando a fumaça devagar e sentindo-a intoxicar meus pulmões. Fumei metade do cigarro antes de começar meu caminho até o trailer do Fernando.
No meio do caminho, resolvi fazer um pequeno desvio para ver se aquele sonho tinha algum significado. Passaria na árvore histórica de Arcádia, onde Amber estava chorando no meu sonho.
Olhei as horas e me surpreendi ao ver que já passava das 19:00. Por quanto tempo eu dormi? O sol já estava se pondo eu nem tinha notado.

Fer, vou demorar. Na frente do Café das Baleias, 2200.

Ok.

Foram mais uns 40 minutos de caminhada até eu avistar a enorme árvore. Logo abaixo dela, sentada, olhando as estrelas, estava a loira, com os olhos inchados de tanto chorar, fumando seu Marlboro vermelho e ouvindo My Chemical Romance. Bom gosto, meus caros. Bom gosto.

- ... Rack? - Ela pareceu se assustar ao ouvir minha voz, como se eu a tivesse despertado de uma espécie de sono profundo. - Desculpa, não quis te assustar.
- Você... - Ela olhou para as próprias mãos. Eu já não sabia mais lê-la. Não sabia se ela estava triste, envergonhada, com vontade de socar minha cara ou se sentindo mal pelo que houve mais cedo. - Você veio.
- É, acho que sim.
O discreto sorriso melancólico que nasceu no canto de seus lábios me deu esperanças de que, talvez, ela não quisesse socar a minha cara.
- Obrigada. - Seus olhos se levantaram e pousaram nos meus como adoráveis borboletas verdes.

- Olha

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- Olha... Eu nunca quis te magoar ou te fazer ir embora... É... Desculpa. - Eu sempre fui péssima com pedidos de desculpas, o que fez com que minha voz saísse falha e baixa.
- Tudo bem, Cléo. Eu fui uma babaca com você, na verdade. Grande parte dessa confusão foi culpa minha, já que você realmente não teve nada a ver com o motivo pelo qual eu... "Surtei". - Ela fez aspas com os dedos ao pronunciar a última palavra.
- Se você quiser me contar os motivos do seu... "Surto", - Imitei as aspas, formando um pequeno e discreto sorriso. - fique à vontade. Eu estou aqui se precisar e, se me pedir, prometo esquecer cada palavra quando sairmos daqui.
Mais um sorriso, tão melancólico quanto o anterior, formou-se em seus lábios enquanto ela se sentava novamente e acendia outro cigarro, respirando fundo e estendendo seu maço para que eu pegasse um também, o que eu obviamente fiz.
- Meus pais sempre foram tudo para mim. É a família perfeita aos olhos daquela galera que defende a tal família tradicional. Meu pai é promotor e ganha não sei quantos "dinheiros" por mês e minha mãe fica em casa cuidando de tudo. - Eu estava ouvindo atentamente. - Quando eu era pequena, via meu pai como uma espécie de super herói. Certo dia estávamos fazendo uma trilha e eu caí. Acabei quebrando o meu pé esquerdo. Eu lembro de chorar e gritar como se eu fosse morrer. Meu pai me carregou no colo até o hospital mais próximo. Seu colo, seu cheiro, sempre me acalmava. Eu era a "princesa" dele - ela sorriu sarcasticamente, virando os olhos. - e, na minha cabeça de criança, ele era uma espécie de rei super poderoso que estava me preparando para governar o mundo. Conforme eu fui crescendo, fui percebendo que nem tudo era tão maravilhoso quanto eu imaginava. Meu pai acha que, por trabalhar para sustentar a casa, minha mãe é obrigada a fazer absolutamente tudo o que ele quiser, e ela aceita tudo isso quieta, como se estivesse tudo bem. Eu tenho um certo sentimento de dó em relação a isso, mas às vezes me bate uma raiva dela, eu só queria que ela se defendesse dele de vez em quando.
Comecei a sentir um quê de raiva em sua voz e me aproximei um pouco, mas voltei ao meu lugar quando ela fez um sinal com a mão, mostrando que não queria interagir, apenas contar sua história.
- Então minhas ilusões de criança começaram a desmoronar, tudo de uma vez. Meu pai começou a beber e ficar agressivo, muito agressivo. Sempre que isso acontece eu me tranco no meu quarto e fico bem quieta, ouvindo os gritos. Geralmente minha mãe vai tomar banho e fica trancada no banheiro até ele cair no sono em sua poltrona preferida, onde fica até o dia seguinte... De super herói, ele se tornou meu medo. O vilão. E isso dói...
Sua voz começou a ficar trêmula e notei um rio de lágrimas se formando nos seus olhos.
Da capinha do celular ela tirou uma foto dobrada que mostrava a versão de 10 anos de Raquel Amber nos ombros de seu pai. Ela me deu a foto para que eu visse de perto.
- Esse foi o dia da trilha, pouco antes de eu quebrar o meu madito pé.
Olhei no fundo dos seus olhos, tentando passar alguma energia positiva que fizesse ela se sentir um pouco melhor. Ela secou as lágrimas com as costas das mãos e tragou seu cigarro antes de continuar:
- Lembra que estávamos no observatório, rindo das pessoas que passavam no parque? - Fiz que sim com a cabeça. - Lembra daquele casal que estava se pegando em cima de uma toalha quadriculada? - Fiz que sim de novo. - O homem... O homem era meu pai.
- Ah...
- E aquela mulher definitivamente não era a minha mãe.
Arregalei os olhos, involuntariamente.
- Rack...
Ela pegou a foto das minhas mãos e caminhou até uma lixeira de madeira (que implorava para ser esvaziada, diga-se de passagem). Tirou o isqueiro do bolso e colocou-o perto da foto.
- Rack, o lixo é de madeira e está cheio de papel, eu assinei uma petição de combate a incêndios semana passada e, sabe, tem muitos incêndios acontecendo ultimamente por causa da seca... - Parei de falar quando ela me olhou, passando uma mensagem silenciosa de "cala a porra da boca".
A garota observou a foto queimar e, quando o fogo estava prestes a queimar seus dedos, jogou-a sobre os papéis.
Um estranho vento começou, fazendo os cabelos da menina voarem como fios de ouro, o brinco de pena azul que ela usava em apenas uma das orelhas voava entre eles feito um pássaro. Olhei mais atentamente para a garota, me encantando com a forma como sua beleza se assemelhava à beleza do fogo: linda, mas perigosa, que cresce de repente e machuca quem se aproxima. Notei que ela estava chorando muito, como se tivesse uma angústia enorme presa na garganta.
Quando comecei a pensar em chegar perto para, talvez, dar-lhe um abraço, Raquel soltou um grito desesperado que lembrou-me o canto de um corvo e chutou a lixeira, fazendo o fogo se espalhar pelas folhas secas jogadas no chão e crescer até alcançar a árvore.
A centenária árvore de Arcádia agora estava em chamas. Meus olhos estavam arregalados e os dela observavam atentamente o fogo. Por um momento notei desespero e arrependimento, que se dissiparam rapidamente quando ela pegou minha mão e começou a andar para longe.
- Vem, Price. Vamos embora daqui. Podem pensar que foi um incêndio criminoso se continuarmos paradas feito duas idiotas olhando para uma árvore histórica em chamas.

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⏰ Última atualização: Apr 04, 2019 ⏰

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