QUATRO MIL

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- Ahn... Ok, - me aproximei de Raquel. - e que porra de lugar é esse?
Sem me responder, a garota começou a andar rápido como se sua vida dependesse disso, fazendo sinais para que eu a acompanhasse.
- A cada segundo eu tenho mais certeza de que você vai me matar para vender meus órgãos, Amber.
Em meio a uma gargalhada gostosa, ela respondeu, ajeitando os cabelos atrás da orelha, sem parar de andar:
- Eu já te disse, se eu quisesse roubar os órgãos de alguém, não seriam os seus, Cléo. - Ela virou a cabeça, me olhando de cima a baixo. - Até porque você é legal demais para ser morta desse jeito, sabe? Sua morte teria que ser épica! - Raquel fez um gesto abrangente com as mãos, enfatizando o "épica!".
- Sei... - Eu já estava ofegante com a caminhada e o lugar aparentemente não chegaria nunca. - O que... Seria uma morte... Épica... Pra você?
Ela riu da minha nada engraçada dificuldade em falar.
- Tcharã! Chegamos! Senta aí! - A loira me empurrou em um banco de madeira em baixo de uma árvore e se sentou ao meu lado.
Olhei em volta. Tinha árvores por todos os lados, estávamos, aparentemente, no ponto mais alto do local. Dois binóculos estavam estrategicamente posicionados para que os visitantes pudessem observar o parque que havia em baixo e uma estátua de alguma figura famosa em Arcádia brilhava entre duas árvores que aparentavam ser jabuticabeiras. Olhando para trás, via-se uma descida um pouco íngreme e um quiosque de madeira onde um casal apreciava um vinho que era, aparentemente, bastante caro. Se andássemos mais uns 50 metros iríamos parar no farol da cidade.
- Assassinada por um maníaco durante a aula de química! - Raquel levantou e falou, talvez mais alto do que planejava.
- Que???
- A morte que combinaria com você. Ou então... Ahn... Headshot dado por um professor insano enquanto você tenta salvar a vida da sua namorada em perigo!
- Amber, você tá usando alguma droga? Eu... Eu nem namoro, e eu não sou lésbica.
- Price, filha de Kurt, - eu ri com a expressão nova que eu definitivamente adotaria. - eu falei de maníacos na aula de química, professores que dão headshots e pessoas em perigo e sua surpresa é por eu saber que você é sapatão antes de você me contar?
Olhei para ela, confusa, um pouco assustada e achando um tanto engraçada a forma como Amber viajava completamente. A garota virou as costas e foi até os binóculos, colocando em um deles uma moeda de R$1,00 e puxando a alavanca para que funcionasse, quando notou que a alavanca estava travada. Me levantei e parei ao seu lado, apontando para uma placa que dizia:
Senhores turistas da Baía de Arcádia,
ESTE OBSERVATÓRIO ESTÁ FORA DE SERVIÇO! FAVOR NÃO MEXER NOS BINÓCULOS.
A Prefeitura.
- DROGA! - Aparentemente brava, Raquel chutou a placa que, por ser de madeira e estar muito mal colocada (Prefeitura de Arcádia. Típico.), caiu no chão.
- Ei, Rack, calma! Presta atenção aqui. - Ela olhou para mim, atenta. - A gente resolve.
- Que porra de apelido é Rack, Price?
- Eu sei lá, cada pergunta. Só peguei o seu nome e tirei o final, fica bem mais fácil de falar. Você tem uma faca aí? Minha mãe sumiu com a minha...
- Faca? Bom... Eu tenho uma lixa de unha, deve servir, não? - Raquel tirou do bolso uma lixa de unha que parecia custar uns mil reais.
- Claro, não sei se daria pra, tipo, matar alguém com uma lixa de unhas, mas ok.
Me olhando como quem não está entendendo merda nenhuma, Raquel me observou enquanto eu me afastava e tentava usar a lixa como uma chave de fenda para tirar uma placa de identificação de um dos bancos:
"Este banco foi uma humilde doação da Família Presco à nossa querida Baía de Arcádia.".
- Eca! - Resmunguei, lendo a placa que acabara de conseguir retirar e mostrando-a para Raquel.
- Price, que porra é essa?
- Pelo menos uma vez na vida a família Presco vai servir para algo. - Sorri.
Fui até um dos binóculos e usei a placa quebrada como alavanca para abrir o compartimento que dava acesso à parte de dentro.
- Ca... Ra... Raquel, vem aqui!
- Que? - ela parecia curiosa. Bastante curiosa.
Saí da frente do compartimento, mostrando a maravilhosa visão de dois bolos consideráveis de notas de R$100,00.
- Santo Kurt Cobain. - Eu ri de novo, amo a forma como ela trata Kurt Cobain como se fosse um super deus, enfiando ele em todas as expressões.
peguei os bolos e comecei a contar, com ela na minha frente, olhando ansiosamente.
- Amber...
- Price?
- QUATRO. MIL. REAIS. RAQUEL.
- Mentirosa, nem tem como ter quatro mil reais nesses bolos. - Ela estava realmente cética, então estendi para ela contar e ver por si só.
- 100, 200, 300... - Quanto mais contava, mais seus olhos se arregalavam, mais eu me divertia e mais eu percebia como a garota era maravilhosa. - Qua... - Ela me olhou, sua boca estava aberta de uma forma engraçada.
- Você sabe o tamanho do perigo de andar por aí com quatro mil reais na mão? Anda, guarda isso! - Falei baixo, perto de seu rosto, o que me fez notar como ela estava cheirosa. Uma mistura de... Maconha, Marlboro, café e menta, mas tudo na medida perfeita para o cheiro se tornar fantástico. Quando nossos olhares se cruzaram ela desviou, aparentando estar um pouco envergonhada.
Dividimos o dinheiro e, meio que esquecendo que eu ia arrumar o binóculo, ficamos apenas uma ao lado da outra, observando a paisagem e rindo das pessoas que caminhavam no parque.
De repente, Raquel se afastou, a cara fechada.
- Vamos beber. - Ela falou, decidida.
- Ok, dinheiro?
Virando os olhos, ela apontou para o casal com a garrafa cara de vinho.
- Rack, a gente não vai roubar aleatoriamente uma garrafa de vinho!
- Ah, vamos lá! Porra, você é a Cléo Price, Arcádia toda te conhece como a porra louca e você está com medo de roubar uma garrafa de vinho?
Meu coração apertou. Arcádia toda?
Fechei os olhos, concordando com a cabeça e a segui até o casal.
- Tá, como vamos fazer isso? - Perguntei, esperando que a loira tivesse algum plano.
Sorrindo, ela fez com a mão um sinal que dizia "espera" e andou até uns 3 metros da mesa, parando de repente e se apoiando em uma mureta. Considerei ir até lá, mas, quando os olhos verdes dela se cruzaram com os meus, ela piscou. Genial, Raquel Amber. Genial.
Depois de uns 5 segundos ela se jogou no chão, caindo em uma posição muito aleatória e provando atuar muito bem.
Assustados, os dois pombinhos largaram suas taças e correram para socorrer a menina, enquanto eu pegava o vinho e passava por eles, olhando para Rack como quem diz "ok, pode encerrar aí, Jhonny Depp.". Me escondi atrás de um muro e esperei, quando ouvi a voz dela se aproximando.
- Não, não, eu já estou melhor, de verdade. Muito obrigada, vocês são ótimos! Tchau!
Ela encostou no muro junto comigo, olhando nos meus olhos.
- Amber, você merece um Oscar. Para onde vamos agora?
- Sigam-me os bons! - A garota começou o caminho de volta para a linha do trem. Pronto, onde essa doida vai me levar agora?
Se eu dissesse que não estava sendo um dos melhores dias da minha vida, eu estaria mentindo.

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