Quando chegamos ao destino, que era, aparentemente, um grande lixão, Raquel terminou de virar a garrafa de vinho em suas mãos e se sentou no capô de um antigo carro vermelho, apoiando o rosto nas palmas das mãos. Sentei ao seu lado e coloquei a mão em seu ombro, um pouco sem entender o que estava acontecendo.
- Amber... Tá tudo bem? - Ela estava chorando.
- Claro, Cléo Price, é óbvio que está tudo bem, não tá vendo? Nunca estive tão feliz na minha vida!
Um pouco chateada pela grosseria, levantei as mãos em um gesto de "desculpa aí" e me afastei um pouco.
- Price, eu preciso de um pouco de espaço. - Ela tentou tirar mais algo da garrafa de vinho mas, ao perceber que já estava praticamente seca, colocou-a do lado e se deitou no capô, com as mãos no rosto.
Levantei, sem saber o que fazer, e cambaleei até outro carro, que estava um pouco longe. Passados uns cinco minutos, ela voltou a falar:
- Eu realmente preciso ficar... Sozinha.
- Mas...
- Cléo! - Agora ela estava gritando. - Qual parte de sozinha você não conseguiu entender? Eu não quero conversar, eu não quero estar com ninguém agora. Nem com você... - Ao dizer a última frase, ela abaixou a voz, que se tornou quase inaudível. Para conseguir escutar, cheguei um pouco mais perto, aparentemente irritando a garota, que atirou a garrafa vazia contra uma placa antiga que estava jogada em um canto. Cacos de vidro voaram.
- Quer saber, Raquel? - Comecei a falar mais alto. - Eu não sei o que aconteceu para você ficar assim do nada, eu não sei se eu fiz ou não fiz algo, mas se o problema for comigo, pode fazer o grande favor de me falar? Não é justo você me proporcionar o melhor dia da minha vida desde os meus 14 anos e depois só... Virar as costas, fechar a cara e sair por aí tacando garrafas em tudo quanto é canto! Não é justo!
- Justo, Cléo? Você ainda acha que alguma coisa vai ser boa, justa ou feliz nessa merda de vida? Se toca, Price, sai dessa porra de ilusão da sua cabeça, tudo é uma merda e vai ser assim para sempre! - Nessa hora eu juro que quase vi fogo em seus olhos e que o vento começou a ficar mais forte.
- Eu só não quero que isso - fiz um gesto abrangente, indicando nós duas. - acabe do jeito que acabou tudo na minha vida.
- Isso... Isso o quê? - Ela me olhou confusa. Sua voz parecia um pouco mais calma, mas a raiva ainda estava lá.
- Ahn... - Demorei mais do que o esperado para responder. - Tipo uma... Tipo uma amizade... Só que...
- Só que? - Ela estava parada de braços cruzados, seus olhos fixos nos meus, quase indo embora, o que me deixou ainda mais angustiada e nervosa.
- Eu não sei, inferno! - Gritei.
Em um movimento rápido a garota virou de costas, fazendo seus cabelos voarem, acompanhando-a suavemente.
- Por favor... Não vai... - Pedi tão baixo que Amber obviamente não me ouviu. - Por favor, Raquel...
Assisti-a sumir da minha vista, meus olhos se encheram de lágrimas ao ponto que eu já não conseguia enxergar direito, minha cabeça começou a ficar ainda mais confusa, a tristeza, a raiva e a angústia misturadas com o efeito do vinho roubado, que era mais forte do que eu imaginara.
- Eu. Odeio. Este. Lugar. - Procurei algo à minha volta com que eu pudesse quebrar tudo o que eu visse na frente naquela merda de lugar e, depois de alguns chutes e socos aleatórios que ecoaram por todo o lugar, achei um taco de beisebol.
Caixas de ferramentas me lembram Davi, que invadiu minha casa, tomou o lugar do meu pai e está convencendo minha mãe de que eu sou só uma "drogada". Joguei-a no chão, batendo nela com o taco de beisebol logo em seguida. Placas me lembram o restaurante onde minha mãe é praticamente explorada toda merda de dia, tendo que sair cedo de casa e voltar tarde até mesmo aos domingos para ganhar uma merda de salário que mal servia para comprar arroz. Descontei o máximo de raiva que pude na placa até consegui rachá-la bastante. Câmeras fotográficas... Câmeras... Fotografias... Me lembram a Milena... Minha ex melhor amiga, que foi morar na capital, se mudou no dia da morte de papai, no meu aniversário, prometeu manter contato e nunca mais respondeu nenhuma das minhas mensagens... Não consegui quebrar logo de cara, fiquei muito tempo encarando o objeto antes de ter forças o suficiente para quebrá-lo, gritando.
- VOCÊ PROMETEU QUE ESTARÍAMOS JUNTAS PARA SEMPRE, MIL! VOCÊ ME PROMETEU E VOCÊ ME ABANDONOU QUANDO EU MAIS PRECISEI DA MERDA DA SUA AJUDA!
Continuei andando pelo lixão, entre carros quebrados e tudo quanto é tipo de tralha, quebrando tudo o que eu via na frente. Quando, em meio a toda aquela raiva, bati os olhos em algo que piorou as coisas... Uma caminhonete branca banco de couro, totalmente amassada. Eu reconheceria ela em qualquer lugar. As lágrimas escapavam desesperadamente dos meus olhos, faltava ar nos meus pulmões e meu coração estava tão acelerado que eu literalmente podia ouví-lo e sentí-lo. A sensação era a de que ele ia rasgar meu peito e sair, entrar na caminhonete e bater uma última vez no banco do motorista, junto com a vitalidade do meu pai.
- Pai... Pai!
As imagens vieram na minha mente...Meu aniversário, meu pai indo buscar minha mãe no supermercado com a caminhonete, a Milena na minha casa. Estávamos rindo e nos divertindo, brincando de pirata, como sempre fazíamos. Íamos pedir uma pizza, depois cortar um bolo e Mil dormiria em casa para termos nossa última noite juntas antes de ela se mudar... Então o oficial chega com minha mãe. Explica a situação. Meu pai estava certo, no limite de velocidade, seguindo tudo o que tinha que seguir... Um caminhão ultrapassou o sinal vermelho... E por causa de poucos segundos, lá estava meu pai. Morto.
Soquei desesperadamente o capô, chorando de uma forma que eu não sabia ser possível... E apaguei.
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Esconderijo
FanfictionEnquanto Cléo Price não tinha nada, Raquel Amber poderia ter tudo o que quisesse. Enquanto Cléo Price se perdia em festas, drogas e amores passageiros, Raquel Amber tentava manter a imagem de boa filha e aluna exemplar durante o dia sem perder as di...