RAQUEL AMBER

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A aula de química me deu vontade de morrer do início ao fim. Ok, eu vou bem em algumas matérias. Algumas. Química é uma delas, mas isso não faz com que a aula não seja um saco.
Saí da sala com vontade de bater a cabeça na parede. Meu humor começou razoável, agora estava quase pior que o normal.
"Não sei se as outras aulas vem a pena", pensei. Precisava me distrair de algum jeito, então fui para o pátio, atrás de um muro que estava lá sabe-se lá porquê e acendi um cigarro. Estava distraída na minha própria mente e levei um susto ao ouvir a voz feminina que me chamou, com um tom calmo, como se estivesse só mostrando que sabe meu nome.
- Cléo Price, uhn?
Acho que o susto que levei foi bem visível, pois a garota ao meu lado soltou uma gargalhada.
Caralho, ela é linda. Loira, olhos verdes, uma boca carnuda e rosada e dentes que me deram inveja. Vestia uma blusa branca, uma calça preta, AllStar azul e uma blusa xadrez, também azul, amarrada na cintura. Um brinco de pena (também azul) balançava em uma de suas orelhas enquanto ela ria.
Talvez ela tenha percebido minha confusão, porque me olhou, decepcionada, antes de falar:
- Você não se lembra de mim, né? - QUÊ? EU CONHEÇO ESSA DEUSA DE ALGUM LUGAR? Só se for de algum livro de mitologia, porque não, eu não fazia a menor ideia de quem era a moça. - Caralho, estava boa a noite passada, em? - Ela sorriu.
- Oi? - eu já não estava entendendo mais nada.
Ela virou os olhos, dando um pequero sorriso, e estendeu a mão.
- Raquel Amber.
Retribuí o cumprimento.
- Cléo Price. Que história é essa de noite passada?
- Eu também estava no show da FireWalk ontem, nos conhecemos lá. Não lembra do soco que você deu naquele cara que queria te agarrar? A hora que ele ia te bater eu grudei em você e disse que éramos namoradas, passamos o resto do show juntas.
Olhei para a loira, minha boca estava aberta de surpresa. Continuei a observando enquanto ela acendia um Marlboro. Humilde. Ao perceber que eu estava olhando, me ofereceu um cigarro, que eu aceitei. Há meses eu não fumava Marlboro.
- Vamos para algum lugar? - ela me perguntou, de repente, como se tivesse acabado de ter uma grande ideia.
- Uhn... Agora? Não temos aula?
- Temos, mas quem liga, né?
Não consegui evitar soltar um sorriso.
- Ok, vamos para onde?
- Me segue.
Saímos da escola, tentando evitar os olhares do segurança. Ela virou em uma esquina na qual eu nunca tinha virado antes.
- Tá me levando para me matar e vender o meu rim, não tá? - ela soltou uma gargalhada curta.
- Seus órgãos não valem mais muita coisa, Cléo Price.
Ouvimos um barulho de trem e a garota agarrou minha mão e saiu correndo, me arrastando com ela.
- Anda! - Ela pulou e entrou no trem, seguida por mim, que bati a perna na tentativa. - Achei que você fosse mais do tipo ninja. - sorriu. - O tipo de ninja que aprendeu o que sabe roubando casas de madrugada.
- Não contive o riso.
- É essa a imagem que as pessoas têm de mim? - Perguntei, puxando uma caixa e me sentando. Ela balançou a cabeça, confirmando e se sentando no chão à minha frente.
Ficamos longos minutos em silêncio, sentindo o vento no rosto e observando a paisagem passar, conforme o trem andava.
- Se você pudesse ir para qualquer lugar, para onde iria?
Respondi sem pensar duas vezes:
- Canadá.
Ela riu.
- Por causa da maconha legalizada, aposto.
Ri também, negando com a cabeça.
- Porque eu quero.
Ela levantou a sobrancelha, fazendo um gesto com as mãos que dizia em silêncio algo do tipo "ui, desculpa aí" e gargalhando em seguida.
- Por falar nisso, você tem aí?
Balancei a cabeça em negativa.
- Pois eu tenho! - Ela puxou um baseado enrolado perfeitamente do maço de cigarros. - Vamos?
- Mandamento número 11: nunca, NUNCA negue maconha, a não ser que não seja só maconha.
- Não... É só maconha, mesmo. - A garota olhou para o beck, pensativa, e chacoalhou a cabeça, espantando sei lá qual pensamento.
- Ok. - Sorri de novo. Há tempos eu não sorria tanto estando sóbria.
Ela colocou o cigarro nos lábios e tirou do bolso um isqueiro zip que achei maravilhoso: era prateado e tinha algo parecido com uma AK47 gravado em dourado. Acendeu o beck sem dificuldade, tragando a fumaça profundamente e mudando de posição, pendurando os pés para fora do trem e se deitando, apoiando a cabeça no braço livre. Me sentei ao seu lado, a observando atentamente: eu estava encantada por ela.
Depois de uns três ou quatro tragos, ela me estendeu a erva, que peguei e traguei, virando os olhos disfarçadamente: estava com saudades antes mesmo de fazer 12 horas desde a última vez que fumei.
- Viciada! - Raquel falou, baixinho. Sorri discretamente.
Devolvi a erva para ela e, depois de alguns outros tragos, me deitei também, olhando para o teto do vagão. Meu corpo já estava relaxado e aposto que meus olhos castanhos já estavam pequenos e vermelhos.
- Noooossa! - Viajei, me levantando e empilhando algumas caixas. Estendi a mão, pedindo um último trago, e subi na pilha com o cigarro entre os lábios, pegando minha caneta e escrevendo "OS DEMÔNIOS ESTÃO TODOS AQUI. O MEDO DO INFERNO NÃO FAZ SENTIDO." no teo.
- Filosófico. - Ouvi-a comentar, se levantando e me pedindo a caneta, que passei enquanto me sentava no alto da pilha de caixas.
- Ra-quel-es-tá-a-qui. - Ela ditou, baixinho, enquanto escrevia e foi até a beirada do trem. - Chegamos!
- Chegamos onde, exatamente?
- Você vai ver! Anda, pula! - Ela gritou, empolgada, pulando do trem.
Para não deixá-la para trás, pulei também.

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