3. Anjos

18 0 0
                                    

9. Pesadelos

Acordei com um trovão.
Eu suava frio, meus braços estavam fracos e tremendo. Acabei dormindo com os fones, tiro eles, parando assim a melodia de "Lust for life" que acabou invadindo meus sonhos.
Olho para Mary, que dormia como um anjo. Ela se mexe um pouco na cama e abre os seus olhos.
- O que foi? - ela me perguntou, ainda sonolenta.
- Tive um pesadelo - respondi, com a voz trêmula.
- Como ele foi? - Mary pergunta mais uma vez.
- Não consigo lembrar.
- Quer que eu durma com você? - Já se erguendo para se le-vantar.
- Você faria isso?
Mary se levanta da cama e vai até a minha, ela se cobre com o cobertor e quando me deito, ela me abraça.
- Obrigado - agradeço, sorrindo.
- Faria tudo pra te deixar bem - ela diz, já de olhos fechados, mas com um sorriso no rosto.
Antes de cair no sono novamente, penso no pesadelo. Eu tive que mentir para Mary, não queria que ela soubesse que eu sonhei com nós duas mortas. Mortas por aquelas coisas lá fora, como aquela que olhava do alto de uma árvore.

10. Dia de aula

Acordei estressada, mas preparada para o meu primeiro dia no colégio novo. Desci até a cozinha animada.
- E quando vamos sair? - eu pergunto para a minha mãe.
- Daqui uma hora e meia- ela responde, preparando o café da manhã - Tome banho para tomar café.
Subo e espero Mary sair do banheiro no corredor. Sam sai do quarto secando o cabelo com uma toalha.
- Preparada pro seu primeiro dia de aula? - ela pergunta, parecendo estar ansiosa.
- Eu estou um pouco nervosa, na verdade - digo, rindo de nervoso - Mas vou ficar bem.
- Vai ficar tudo bem, eu vou estar lá pra te ajudar.
- Ei, Sam - a chamei, antes dela entrar no quarto.
- Sim?
- Você tem pesadelos?
- Bem... - ela para pra pensar - Não mais como antes, quando criança eu tinha vários.
- O que você fez pra parar de ter?
- Enfrentei o que tinha medo.
Sam entrou no quarto em uma resposta minha, e eu fiquei pensando muito nisso. Durante o banho, sinto que meu cabelo estava muito grande e pego uma tesoura. Eu sei como cortar certo pelos erros que já cometi lá no orfanato, se eu nunca tivesse tentado, teríamos um desastre aqui. Cortei até um pouco antes dos ombros. Quando terminei e entrei no quarto, Sam e sua mãe estavam colocando algumas roupas minhas em uma bolsa.
- Pra que isso? - pergunto, desligando a música do meu celular.
- Vamos passar a noite no colégio - diz Sam - todo ano tem isso.
- E por que vamos fazer isso? - Mary pergunta, já vestida com a camisa e a saia.
- Adaptação - minha mãe diz, ela olha bem para mim e sorri com certa estranheza - Cortou o cabelo?
- Sim - digo, rindo e mexendo no cabelo.
- Ficou lindo - Márcia chega perto e massageia o meu cabelo com as mãos - Mas limpou o banheiro, né?
- É claro - digo, rindo.
Esperei elas terminarem de arrumar tudo para me trocar. Assim que vi a saia, revirei os olhos, mas a vesti. Até que ficou boa em mim.
Tomamos café tranquilamente e na hora de sairmos Sam colocou sem braço em volta do meu e segurou a mão de Mary e saltita até a porta.
- Eu vou levar vocês - minha mãe disse, com as chaves do carro na mão - Já estão prontas?
Todas nós fomos até o carro. Não demorou muito para chegarmos no colégio, que parecia mais uma igreja do Diabo, com as paredes feitas de tijolos pretos e as janelas eram enormes. Um muro cercava o terreno e ele parecia enorme.
- Podem descer - disse minha mãe, e Sam já estava se retirando do carro.
- A senhora não vai nem nos levar até o portão? - Mary perguntou.
- Tenho que ir pro trabalho, meu amor, hoje pego cedo.
Saí do carro só falando um simples "Tchau" e segurando a mão de Mary. Márcia mandou vários beijos para a gente antes de sair com o carro.
Primeiro tinha um muro e depois tinha uma rua que devíamos que passar, ali nem parecia o terreno de uma escola. Passamos pelo estacionamento, e chegamos em uma escadaria. O lugar até que era bonito, tinha bastantes plantas, mas a fonte do meio da-quele caminho todo, com a estátua de um anjinho, me deu arre-pios.
Passamos por uma grande porta, e enfim, entramos no colégio. Duas mulheres, claramente as coordenadoras do colégio, chegaram na gente.
- Sejam bem-vindas, garotas! - disse a primeira delas, com um sorriso no rosto - Qualquer dúvida para as novas alunas, estaremos aqui para responder.
Balançamos a cabeça. A segunda mulher vai para outro grupo de alunos e a primeira nos acompanha até a lista das turmas.
- O fundamental fica no outro lado do colégio, poderia me acompanhar, garotinha? - disse a coordenadora para Mary, que a seguiu, dando tchau para a gente enquanto dava pulinhos.
Sam e eu ficamos sozinhas. O colégio não era tão assustador por dentro, era até bonito, bem iluminado e bem decorado.
Várias pessoas passavam pela gente, algumas me olhavam de cima a baixo, outras passavam reto, parecendo não me enxergar.
- Sam! - disse a Cassandra, passando pelo colégio, ao lado de duas garotas.
Sam corre até Cassandra, a abraça e depois abraça as outras garotas. Elas pareciam ser bem próximas.
- Aé - Sam diz, se virando em minha direção - essa é a Rose - ela aponta para mim e as garotas correm para me cumprimentam - Essa aqui é a Keila.
Keila é o tipo de pessoa que tem muitas espinhas e seu aperto é forte demais. Seu cabelo esta preso em um coque grande.
- E essa é Ally - diz Sam, apresentando a outra garota.
Ally usa aparelho e aparenta ter um corpo atlético, seu cabelo ondulado está solto e vai até a altura dos ombros. Seu aperto de mão era bem mais suave que o de Keila.
- Ah - Sam fala, rindo - e aquele que tá vindo ali é o Jhonny.
Jhonny é branco até de mais, então tenho certeza que ele não sai da cidade para tomar sol.
- Oi, gente - ele diz, meio tímido.
- Jhonny, essa é a Rose.
- Prazer - ele diz, estendendo a mão, e que pulso fino que ele tem, mas mesmo assim cumprimento ele.
- Também tem a Kendra - Ally diz - Mas ela decidiu ir treinar tiro com o pai.
- Nossa - eu digo, rindo.
Fico um pouco fora da conversa deles, mas por escolha. Eles conversavam sobre um certo passeio que fizeram. O sinal tocou e fomos ver as nossas salas, todos caímos na 3006.
- Sam - disse Cassandra, segurando na mão de Sam - pode ir comigo no banheiro?
Sam aceitou e elas foram na direção contrária da gente.
- Qual é dessas duas? - pergunto para o grupo.
- Elas ficam de vez em quando, mas acho que é só isso mesmo - diz Ally, voltando a sua atenção para as pessoas que passavam.
- Por quê? - pergunta Keila, me dando um soquinho no braço - Você gosta de alguma delas?
- Não é isso - falo a primeira coisa que vem na minha mente - É que eu vi as duas se beijando outro dia.
- Ah sim - diz Keila, arregalando os olhos - Cassandra vivi na casa da Sam, mas talvez a frequência dela diminua por você e sua irmã estarem lá agora.
Achamos nossa sala, e antes de entrarmos, um garoto puxou Ally e a beijou.
- Meu Deus - digo, rindo, enquanto entro na sala - O que foi is-so?
- É o Garry, eles estão ficando a pouco tempo - diz Jhonny, se sentando ao lado de Keila nas cadeiras encostadas na parede - Mas Ally não gosto dele tanto assim, sabe como é?
Sam e Cassandra entram rindo alto e Sam se senta do meu lado, dá pra sentir o calor do corpo dela.
Garry vem atrás de Ally, que revira os olhos quando passa pela gente, todos riem menos eu, ainda não pequei toda a piada.
A aula é bem chata, porém bem dada, e depois dela, fomos para um laboratório.
Todos estavam em suas mesas, onde tinha um telescópio e um vidro de amostra, Keila puxou tudo para o meu lado, como se quisesse que eu fizesse sozinha a tarefa das duas.
Comecei a estudar a amostra do vidro, mas era muito escuro, e só algumas pequenas células eram de um roxo brilhante.
- Não dá pra saber que células são essas - digo para Keila, fo-lheando o livro que me deram.
- Não é pra perguntar isso - diz Keila, olhando pro quadro e depois pra mim - É só pra disser como ela é, descreva o compor-tamento dela.
- Mas de onde é isso aqui? - pergunto, chegando a sentir nojo.
Keila dá um leve soco na mesa.
- Daqui da cidade, é a única coisa que você precisa saber, en-tendeu? Você ainda tem muita coisa pra aprender morando aqui. Pensei que a Sam teria te dito o que fazer e o que não fazer.
Não falo mais nada, só preencho as perguntas da tarefa, tarefa essa que tinha que ser feita por mim e pela minha parceira, que além de não fazer nada, foi grossa comigo.
O sinal toca e é hora do intervalo. Vamos até o pátio e enquanto Jhonny, Sam, Cassandra e Garry jogavam Uno, Keila, Ally e eu fomos comer no refeitório, que como todas as partes dessa escola, tinham janelas demais.
Agora, Keila estava toda abraçada comigo, o que era estranho, pois minutos atrás ela parecia muito puta comigo por eu ter feito "perguntas erradas".
- O que você tá achando daqui? - Ally pergunta, bebendo um pouco de suco.
- Até que é bom, na medida do possível - respondo, colocando uma colher de comida na boca e quando engulo a comida, falo mais - O pessoal lá do orfanato falavam que as pessoas daqui iriam cortar o meu cabelo assim que eu fosse no banheiro.
- Por que a gente faria isso no banheiro? - diz Keila, rindo de si mesma - É melhor no pátio, que todo mundo vê.
- Palhaça - digo, vendo as garotas rindo.
Alguém senta do meu lado e ao me virar, vejo que é a Miranda.
- Miranda! - digo, quase engasgando.
- Oi - Miranda diz, sorrindo, ela se inclina e estende a mão para as meninas - Prazer, Miranda, eu sou uma amiga de orfanato da Rose.
As garotas se apresentam e depois fica um silêncio constrangedor.
- Então - Keila começa - que silêncio, né?
- Como era lá no orfanato? - Ally diz, já que a fala de Keila foi insignificante.
- Bem... Era muita pressão - Miranda responde, ao ver que eu não queria falar nada - nos últimos anos, muitas pessoas de lá foram sendo adotadas, o número ia diminuindo, e a decepção era maior quando alguém era adotado, mas não era a gente. Assim que a Rose e a Mary foram embora, nos dias seguintes eu também fui adotada, e por coincidência, vim parar aqui.
Miranda olha para porta e depois para mim e parece assustada.
- O que foi? - pergunto, me aproximando dela.
- Sabe a Briana? - Miranda pergunta, quase sussurrando.
Sinto um frio na espinha.
- Sei, o que tem ela? - digo, com a garganta seca, tanto que até bebo água.
- Ela tá ali - Miranda diz, olhando para a porta do refeitório.
Olho e me sinto meio tonta ao ver Briana olhando nos meus olhos na porta, tentando ser discreta, mas só tentando mesmo.
- Quem é essa garota? - Ally pergunta, se juntando aos sussurros.
- Ela também é do orfanato - respondo, mesmo que eu só queria ir embora e me esconder - Eu já fiquei com ela, e depois de quase uma semana ela disse que me amava e tudo.
- Sapatão é foda - diz Keila, se ajeitando na cadeira.
- Mas eu não queria mais nada com ela - continuo - aí eu só terminei tudo, mas ela ficava me olhando estranho, e olhando estranho até pros meus amigos. E na época que eu namorei a Miranda, ela estava em todo lugar que a gente ia.
Briana já passou um dia todo me perseguindo, já teve momen-tos que encontrei ela parada na frente da porta do banheiro quando eu estava lá.
- Mas que bizarro - diz Ally, olhando para a porta e procurando a Briana - É aquela de cabelo raspado do lado?
- É sim - respondo - a gente até que se fala, ela é legal e até posso falar que ela é uma colega, mas tem esses momentos super bizarros.
- Se eu fosse você, cairia fora daqui - Keila diz.
- Eu tô quase fazendo isso - repondo - Mas ela mora aonde?
- Ela é a minha vizinha - Miranda responde parecendo decep-cionada.
- Parece que ninguém dessa cidade tem filho biológico - digo, bolada.
- As pessoas daqui tem muito dinheiro, muito espaço, mas pouca gente em casa, então eles adotam, é mais fácil e rápido - diz Keila.
- Todo mundo aqui é burguês?
- Cara, os trabalhos daqui dão muito dinheiro, então se você entra aqui, vira automaticamente um burguês safado.
- E com o que as pessoas trabalham? - pergunto, mas ninguém responde.
Quando saímos do refeitório, Briana estava conversando com um grupo de pessoas, e não olhou para a gente.
- Meses atrás - Miranda diz - quando ela saiu do orfanato, pen-sei que não a veria mais.
- Também pensei isso - digo, ainda olhando para Ally e Keila, por não terem respondido a minha pergunta.

Quando há chuva lá foraOnde histórias criam vida. Descubra agora