2 - Luz na passarela que lá vem ela

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Uma de minhas melhores lembranças de minha mãe são as sessões de cinema que costumávamos fazer em nossa sala. Toda sexta-feira, eu a esperava ansiosamente voltar para casa depois do trabalho, pois sabia que ela traria um filme da locadora e, se eu fosse uma boa menina durante a semana, um docinho. 

Ela me apresentou aos desenhos mágicos da Disney e, um pouco mais tarde, às comédias românticas com a Sandra Bullock e Meg Ryan. Ela me ensinou que finais felizes existiam, mesmo quando não acontecem do jeito como queremos. Apesar da dor da traição e do abandono, minha mãe nunca se deixou amargurar.  Éramos somente nós duas, a rainha e a princesa, vivendo em nosso pequeno, mas aconchegante castelo. Não tínhamos muito, mas éramos felizes. Nunca me senti nem um pouco amada. Eu era o final feliz da minha mãe.

Também sei qual é a minha última memória com ela. Ao me deixar na porta da escola, ela havia me prometido que levaria nosso filme favorito, Enquanto você dormia, e uma barra de chocolate para dividirmos. Passei o dia inteiro esperando por isso... Mas em algum momento enquanto eu via uma novela infantil na televisão, toda a minha vida idílica chegou ao fim. Minha babá começou a ficar impaciente porque mamãe estava demorando para voltar para casa. Então, depois de uma longa e silenciosa ligação, ela deixou a rabugice de lado e começou a distrair me com brincadeiras bobas. Vovô bateu na minha porta horas depois.

Hoje sei que um ataque cardíaco em pessoas mais novas tem mais chances de ser fatal, mas eu era uma criança na época. Como o coração da minha mãe poderia ter falhado? Ele era muito bom! Ela era a melhor pessoa do mundo.  Ela tinha o melhor coração de todo o mundo. 

Poucos dias depois, me mudei para a cidade dos meus avós. Eu estava acostumada com os sons e as luzes de São Paulo, uma cidade grande e caótica, então fui parar em um lugar tranquilo e frio. As pessoas falavam estranho e até mesmo as casas eram muito diferentes, eu me sentia um etezinho em outro planeta. Minha avó se tornou uma segunda mãe para mim, e talvez eu tenha me tornado uma segunda filha para ela. Eu sempre a acompanhava, não importava aonde ela fosse, não iria deixar que o seu coração falhasse também. 

Gostaria de dizer que hoje minha vida é como a das mocinhas perfeitas dos livros, que eu tenho uma apartamento e um carro além de um emprego dos sonhos, mas estou longe de viver um sonho americano. Ainda moro com os meus avós, como a maioria das jovens da minha idade sem condições financeiras para se manter. Apesar de ter a carteira de motorista, ainda não consegui comprar o meu carro. Deixo o meu diploma em quadro pendurado na parede do meu quarto para que eu nunca pense que os quatro anos na faculdade foram apenas um devaneio da minha mente. Não tenho o emprego dos meus sonhos, mas, considerando a situação atual do país, pelo menos eu tenho o meu salário no começo de todo mês.

Somente quando estou prestes a dormir, decido ler toda as minhas mensagens no meu whatsapp. Embora eu não tenha o costume de entrar no aplicativo, me espanto ao ver que me convidaram para um novo grupo que, em menos de três horas, já tem mais de 100 notificações. O nome do grupo? "Operação amor à segunda vista". A descrição? Como fazer um coração bobo se apaixonar por quem estava bem na sua frente

Minha vida amorosa, aparentemente, estava mais interessante do que a novela das nove, aquela da história mística com a ruivinha. 

Todos parecem animados em me transformar na próxima Miss de São Tomé dos Campos, como se eu tivesse alguma chance em desbancar a atual. Eles nem mesmo se dão conta de que ainda não lhes respondi, já assumiram que aceitei ser a cobaia deles. Tento ver pelo lado positivo que, pelo menos estarei em minha própria versão de Uma Nova Cinderela, aquele com a Hilary Duff, os outros filmes foram bem fraquinhos.

Selena: Falei com a Deise, consegui um descontaço na Pietra.

Selena: 40% no total de toda a compra.

Amor à segunda vistaOnde histórias criam vida. Descubra agora