Amor à segunda vista

1 - O clube do livro das desapaixonadas

É uma verdade universal que o aroma do café é um dos prazeres da vida. Ao longo de séculos, esse pequeno grão tem sido adorado pelas mais variadas culturas em todo canto do mundo.

Quem acredita em magia jura que a borra do café ajuda na adivinhação do passado ou do futuro. Já a ciência não se decide se a cafeína é saudável ou pode causar um ataque cardíaco a qualquer instante.

Há também quem acredite nas propriedades afrodisíacas do café. Talvez por isso a Dona Florinda sempre convidava o professor Girafales para tomar uma xícara... Minha infância foi destruída.

Embora eu não tenha muitas crenças, todo dia pela manhã, torço secretamente para que tal poder seja real. Eu preferia uma poção do amor, mas os livros e as comédias românticas já provaram que comprar o amor com magia nunca tem um final feliz.

- Você está babando. - Um dedo embaixo de meu queixo levemente o levanta, eu mal havia percebido que estava de boca aberta enquanto admirava o irmão Hemsworth perdido que atendi há alguns minutos. - O expresso da mesa cinco está pronto. Não perca a sua chance hoje, tigresa.

- Ha ha que engraçado - zombo de Alain, mas só para conferir passo o dedo ao redor de meus lábios antes de pegar a bandeja com o cappuccino e uma fatia de bolo de laranja para servir ao meu cliente favorito.

- Arrasa o coração dele - Alain diz um pouco alto demais somente para me envergonhar. Uma pena que minhas mãos estão ocupadas, senão lhe mostraria meu dedo do meio.

Antes que tenham uma impressão errada da mim, devo esclarecer que não sou tão desinibida nem costumo flertar no trabalho. Só digamos que minha paixonite pelo meu cliente favorito não é tão platônica quanto eu pensava. Em minha defesa, eu e metade da população feminina de São Tomé dos Campos temos uma queda pelo novo dentista local. Embora não seja uma cidade pequena, nossa comunidade é mais conhecida um ponto turístico para famílias em férias ou casais em lua de mel. Dificilmente alguém vem para para criar raízes.

Caminho em direção ao mesmo lugar em que ele costuma sentar todas as manhãs, uma mesa para duas pessoas. Sei que ele puxará um livro de sua mochila preta e ficará tão perdido na leitura que perderá a hora e terá de sair apressadamente para o seu consultório.

- Prontinho. - Evitando seus olhos atentos, coloco a bandeja sobre a mesa enquanto me cumprimento mentalmente por não tremer e derrubar tudo em seu colo.

- Um pikachu - ele admira espantado o famoso desenho na borda da xícara. Eu fazia essa mesma expressão assim que comecei a trabalhar na Café Art & Livros, continua sendo um mistério para mim como um pouco de leite pode fazer desenhos tão incríveis. Alain ainda não desistiu de me ensinar, mas depois de quebrar algumas xícaras acho que meu fracasso como barista já está mais do que declarado. Sou incapaz de desenhar um coração sem que um dos lados saia torto. - Admito que dessa vez você me surpreendeu.

- Eu me esforço. - Dou de ombros, feliz em provar que não somos conhecidos por nossa art latte por toda a cidade sem razão.

Na primeira vez em que Mateus veio à cafeteria, eu lhe perguntei qual desenho queria em seu café expresso. Seu ceticismo aparente me fez abrir a boca grande e lhe garantir que poderíamos fazer qualquer desenho que ele quisesse. Arqueando uma sobrancelha, ainda sem acreditar, sua resposta foi "então me surpreenda". Esse tem sido o nosso jogo de cada manhã durante meses. Algumas vezes, conversamos por alguns minutos e descobrimos um pouco mais um do outro, como se ele estivesse mesmo interessado em me conhecer, mas nada além disso. Como eu disse, platônico.

- Então esse é por conta da casa? - Ele sorri provocativamente, me lembrando de nossa aposta feita semana passada. Eu culpo totalmente os roteiristas de Game of Thrones por me fazer perder dez reais em um copo de café que nem vou beber.