7- Brilho eterno de uma mente com muitas lembranças

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Luaus na região serrana não são exatamente como os tradicionais. Para começar, obviamente não fomos abençoados com uma praia de areia branca e mar azul turquesa. Como o litoral fica a quase duzentos quilômetros de São Tomé dos Campos, precisamos nos adaptar para ter alguma diversão. Para nossa sorte, temos um pequeno lago no coração de um bosque apelidado carinhosamente como pequena floresta negra pelos primeiros colonos europeus.

O bosque de altos pinheiros, flores silvestres coloridas e alguns animais inofensivos de fato lembra a floresta original, cenário de muitas das histórias dos irmãos Grimm. As crianças temem que alguma bruxa enrugada e malvada apareça e lhes ofereça uma maçã envenenada; já os adolescentes aproveitam toda a aura sombria para fazerem suas festas. Quem se aventura a trilhar floresta a dentro, não demora muito para descobrir uma planície verde cercando um lago de águas muito escuras, porém limpíssimas. Esse é o toque final de beleza nesse cantinho escondido.

Embora o céu esteja límpido e sem qualquer sinal de uma nuvem de chuva, uma brisa gelada toca nossa pele. Já me acostumei com o fato de que essa cidade não precisa de desculpas para ser fria. Ao menos as toras com tochas espalhadas pelo espaço escolhido para o evento ajudam a nos manter um pouco aquecidos, bem como a quantidade surpreendente de pessoas que compareceram ao evento.

O luau foi organizado por um clube de motociclistas de uma cidade vizinha, os Rebeldes da estrada. Que nome original, não é mesmo? Eu imaginava que motoqueiros fossem homens malvados pilotando motos enormes e barulhentas, não pais de famílias com filhos pequenos e barulhentos. Também fico um pouco surpresa ao descobrir que decidiram dividir o valor arrecadado dos ingressos entre as famílias vítimas das fortes chuvas dos últimos dias. Devido às constantes chuvas na região, alguns bairros em encostas sofreram deslizamentos afetando algumas residências. Não houve vítimas fatais, mas algumas famílias perderam tudo, inclusive suas casas. 

Alain não se importou nem um pouco em entrar no clima viking e colocou com orgulho um grande capacete com dois chifres gigantes. Já eu ganhei uma coroa de flores silvestres e coloridas. Uma banda cover está tocado rock nacional e um pouco de clássico. Eu esperava uma música mais barulhenta, cheia de gritos, solos de guitarra estridente, vozes roucas medonhas e talvez o som de vidros quebrando. Meus rótulos foram por terra hoje.

Segurando firme minha mão, ele me guia em direção a uma tenda em espaço reservado não muito longe do palco. Pelo menos ele tenta, já que alguém sempre o para para cumprimentá-lo. Eu me pergunto de onde Alain conhece tanta gente, mas não é difícil de concluir que alguns sejam seus clientes no estúdio. Ele me apresenta a algumas pessoas, mas eu desisto de tentar lembrar seus nomes depois que somos parados pela terceira ou quarta vez. 

Fico aliviada assim que finalmente conseguimos entrar na tenda branca, mas não por muito tempo. A cena com a qual me deparo poderia muito bem pertencer a um de meus pesadelos: no centro da tenda, em uma grande cadeira, está uma jovem de cabelos azuis turquesa fazendo uma careta dor enquanto um grande corpo está debruçado sobre o seu braço. Embora eu nunca tenha feito uma tatuagem na vida, reconheço o som arrepiante da maquininha de tortura que o homem está segurando. Eu prefiro enfrentar a multidão lá fora a presenciar essa cena torturante.

— Olha quem deu o ar da graça hein — diz o cara com parte do rosto escondido por uma máscara branca assim que percebe que tem visitantes. Sua carranca suaviza ao me ver atrás de Alain, mas seu mal humor ainda é evidente. — E aí, Sara?

Levanto minha mão em um aceno sem graça para Lúcio, reconhecendo que sou mesmo a razão de Alain ter se atrasado. Em minha defesa, não tinha ideia de que ele viria para trabalhar. Eu me pergunto por que ele me trouxe para o luau se pretende passar parte da noite enfiado em uma tenda trabalhando... De repente, me lembro de sua proposta há algumas semanas sobre fazer uma grande roseira ao longo de meu corpo. Se ele tem alguma pretensão em me tatuar esta noite, vai tirar o cavalinho da chuva. 

Amor à segunda vistaOnde histórias criam vida. Descubra agora