Nasci com poucos talentos na vida, e desenhar com certeza não foi um deles. Coloque um lápis em minha mão, e desenho vários bonequinhos de palitinho. Meus corações são deformados. Meus círculos parecem mais um ovo mal chocado. Deu para entender que não tenho coordenação motora.
— Nem sei por que ainda tento. — Desisto de tentar meu art latte, deixando a xícara sob a cristaleira. Depois de ouvir tantas indiretas das clientes, finalmente tomei vergonha na cara e decidi tentar fazer desenhos simples. Afinal de contas, esse negócio é conhecido por ser o point da cidade dos art lattes! Malu algumas vezes faz um desenho básico, que lhe foi ensinado por seu irmão, mas nem sempre minha chefe está por perto para salvar a minha pele.
Não deve ser tão difícil, pensei inocentemente antes de quase quebrar uma xícara e derrubar café e lente quente em meu corpo.
— Isso é uma arte abstrata? — Malu pergunta curiosa enquanto tenta decifrar meu desenho. Boa sorte para ela.
— Deveria ser um cisne — resmungo um pouco frustrada com a minha incapacidade de fazer o mais simples dos desenhos art latte.
— Hum... Vamos fingir que é uma arte abstrata. — Eu olho em banco para minha chefe não gostando nem um pouco do tom condescendente. — Ei, você que teimou em fazer isso. Já disse que não precisa, ele logo volta.
Ele.
O mesmo ele que, há alguns dias, depois de passar toda a noite me beijando sob as estrelas, não mandou qualquer sinal de vida. Nem uma mísera ligação. Mensagem no whatsapp. Sinal de fumaça. Pombo correio. Nadinha. Por uns dias, pensei que o dito cujo estava sem sinal de internet enquanto realizava seu estranho sonho de estar no meio do deserto. Não deve ter wi-fi no fim do mundo. Mas não demorou muito para pipocar fotos dele com o tal grupo de viagem. Um grupo bem grande por sinal. Um grupo cheio de mulheres tão aventureiras quanto ele, que gostam de dormir na terra, com dreads nos cabelo e tatuagens e piercings por todo o corpo.
Cansada do turbilhão de pensamentos que essas fotos me causavam, decidi dar um tempo no Instagram. Durante as últimas semanas, aprendi - com a ajuda dele, por sinal - que devo me priorizar um pouco mais. Não vou me iludir em busca de migalhas de atenção, não mais.
Ainda bem que não fui tola o suficiente para contar sobre o beijo para as desapaixonadas. Prefiro guardar essa vergonha só para mim, pelo menos até a volta do nosso barista. Até lá, prefiro nem imaginar como será trabalhar com Alain sete horas por dia.
— Olha só quem voltou. — Malu cantarola baixinho apontando não tão sutilmente para o cliente à espera no caixa. Estive tão distraída que mal prestei atenção na entrada de Mateus, ainda bem que minha chefe é estranhamente legal. — Duas vezes em um dia, alguém deve ter uma boa razão para voltar aqui...
Sua insinuação não é em vão. Essa não é primeira nem a segunda vez que Mateus vem em diferentes horários nos últimos dias. Antes, eu sentiria inexplicável euforia diante da mera possibilidade de ser a razão de o príncipe encantado frequentar tantas vezes a cafeteria.
— Não está um pouco tarde para tomar café da manhã? — Eu me aproximo do caixa, e mentiria se dissesse que meu coração não bateu um pouquinho mais rápido com seu sorriso. Fala sério, qualquer uma do outro lado desse balcão se derreteria por esse sorriso de um milhão de dólares, não a toa o homem é dentista. Porém, não sinto mais a mesma — Já vou avisando que sou péssima no art latte.
Seu rosto inclina um pouco para o lado enquanto olha para a minha xícara de café que coloco ao lado do caixa. Posso não ter consigo desenhar o meu cisne, mas, pelo menos, vou beber um bom café colombiano.
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Amor à segunda vista
Chick-LitConto Sara odeia o dia dos namorados. Não se engane. Ela é uma romântica incorrigível, apenas está cansada de comemorar essa data com sua própria companhia. Se o homem da sua vida ao menos notasse sua existência, já seria um grande avanço para sua...