Capítulo 4

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   Me lembro dessa história e deixo Margô por alguns momentos com a pergunta que ela fez no ar. "Você acredita em momento perfeito?".

- Sim, acredito - digo com convicção.

- Você não acha que se não fosse por esse momento perfeito, muitas coisas da sua vida não teriam acontecido, como conhecer essa amiga?

De repente essa conversa ficou tão profunda e filosófica pra uma caminhada na chuva, mas estava entretida no que a senhora dizia.

- Acho.

- Então querida. cada detalhe dessa vida tem suas consequências, grandes ou pequenas, boas ou ruins.

   Fico calada. O que ela disse ficou gravado na minha cabeça. São tantos pequenos detalhes que poderiam dar errado e eu nunca teria conhecido ela.

   Quase perdi o único contato que tinha dela: o cartãozinho profissional como designer gráfica.

   Ainda em São Paulo, dois dias depois de ter chegado e visto ela pela primeira vez, decidi dar uma saída e conhecer a cidade. Mais tarde, fui para uma festa, a primeira que achei. Foi um pouco doido de minha parte ir sozinha assim, sem ninguém. Mas a música do local me chamou a atenção e eu estava com dinheiro então pude pagar pra entrar.

   Já era por volta de 23h, o local começava a encher. Aproveitei bancos vazios no bar e pedi um drink mais leve. As pessoas ou vestiam algo preto de couro ou algo bem colorido. Achei que fosse o estilo das baladas de São Paulo.

- Camarada, me dá um cigarro?

   Viro-me para ver quem é. Uma garota de blusa preta com jaqueta jeans e pochete preta sorri para mim e senta ao meu lado.

- Você não é daqui, é?

- Não - digo sorrindo.

- É, parece meio perdida... E teria reparado se já tivesse te visto por aqui.

- É, é minha primeira vez aqui, acho que a segunda na cidade. E você? -digo olhando para suas mãos enquanto ela ajeitava seus volumosos e ondulados cabelos pretos.

- Eu curso letras na USP... - ela para por um instante, voltando a falar olhando-me com a testa franzida- E o que faz por aqui? - diz olhando pra pista.

- Estou a passeio, vim ver uma tia - 

- Não, não aqui em São Paulo. O que faz aqui? - diz se inclinando na minha direção e apoiando o braço no balcão, ela dá uma leve mordida no lábio inferior enquanto faz isso.

- Como assim?

- É... É uma boate gay...

   Fazia sentindo com todo aquele brilho e pela forma que a menina me olhava. Eu não sei o que me deu, meu rosto esquentou e provavelmente fiquei vermelha como um tomate. Saio do bar com uma desculpa esfarrapada e vou desviando das pessoas até chegar a saída. Quando chego a porta, uma voz conhecida me chama:

- Mas já vai? - me viro pra me ver quem é.

- Dolores? - a menina do banheiro numa boate gay em São Paulo. Com tantas boates, ela decidiu vir logo nessa.

- É, sou eu. Você é a Társila, né? - ela coloca o cabelo atrás da orelha e aponta pra mim.

- Tarsila, sem acento. Tipo a artista - meus pés ainda estavam virados para saída, mas parecia que ela não ia me deixar ir.

- O que você faz aqui? - ela se aproxima e um menino alto se posiciona atrás dela

- A música me chamou atenção, mas não sabia que aqui era...

LolaOnde histórias criam vida. Descubra agora