Essa história tem uns cinco anos. Talvez seis. Eu tinha vinte na época, estava indo para São Paulo com minha mãe e Roberto, meu irmão mais velho. Eu andava na frente, carregando um ursinho Pooh de pelúcia, que eu usava para apoiar a cabeça, e minha mochila nas costas. Jogo-me na minha poltrona quando a encontro.
O corredor ainda estava meio cheio, eu fiquei esperando para colocar minhas coisas no bagageiro. Meus olhos passeavam por entre os outros passageiros. Era um boeing 767, os televisores passavam o anúncio da companhia aérea. Um casal tentava acalmar a animação de um menino de uns cinco ou seis anos duas poltronas a minha frente. Observava-os com parte da minha cabeça para fora do banco. Foi quando eu vi...
Vi uma boot plataforma preta, uma calça jeans muito rasgada com uma meia calça preta quadrada por baixo e uma blusa listrada amarrada na cintura. Vi também volumosos seios e uma pele clara que contrastava com uma camiseta preta, um rosto fino e um cabelo cheio branco cacheado, com as raízes e mechas pretas que se misturavam num coque. Meu queixo se arrastava pelo chão naquele momento, até que Berto me pergunta o que estou olhando, me tirando do meu transe. Ela senta na frente da criança barulhenta. Não pude ver nada além do coque pelo resto do voo.
Desembarcamos horas depois, ela saiu bem antes de mim, vi seu coque se afastar cada vez mais. Caminhei pelas passarelas aéreas, observando de longe os grandes prédios, andamos durante um longo tempo até chegar na esteira. Pedi para que meu irmão se encarregasse de pegar as malas enquanto eu ia ao banheiro. Estava bem vazio para um banheiro de aeroporto. Assim que chego ouço uma voz
- Ei, moça
- Oi...? - respondi incerta se era comigo
- Desculpa mas eu estou numa emergência aqui. Você tem um absorvente?
- Absorvente? Ann... Acho que tenho, pera - revirei minha mochila e achei um simples, sem aba - Aqui, espero que sirva - passo o absorvente pela parte debaixo do box. Quando agacho, vejo a boot plataforma e minha mão congela onde estava. Era ela. Com as calças abaixadas. Precisando de um absorvente.
- Ei, estica mais a mão, não consigo alcançar daqui
- Ah, desculpa - entrego-a e me levanto rapidamente, ajeito minha roupa e finjo estar lavando minhas mãos enquanto ela não sai do box.
Escuto o barulho da trinca e a vejo pelo reflexo. Ela continuava impecável, nem parecia que tinha acabado de passar por uma situação dessas.
- Tudo certo? - péssima pergunta, mas era o que eu consegui falar
- Sim, se posso falar isso né. Muito obrigada, te devo uma - ela diz enquanto lava as mãos e me olha rapidamente
- E como planeja me pagar? Nem sei sei nome...
- Dolores, mas todo mundo me chama de Lola. - ela soltou os cabelos enquanto dizia seu nome e depois, lançou um sorriso charmoso. - Ainda não sei como te pagar, mas - ela procura alguma coisa em sua bolsa. Depois de remexer um pouco, tira um cartãozinho branco com bordas coloridas. - Entra em contato.
- Pra que? Pedir um template? - rio para quebrar o gelo. Era um cartão profissional dela como Designer Gráfica.
- Se quiser, mas na verdade é pra você ter meu número com você. Como disse, te devo uma.
- Você vai estar aqui em São Paulo por quanto tempo?
- Duas semanas, vou ficar no Braston Hotel.
- Braston? Nesse caso, te vejo lá. Minha família vai se hospedar nesse hotel também.
- Bom, então já sabe. - ela volta a se olhar no espelho e refaz o coque agilmente - Prazer te conhecer...
- Tarsila - fazer o que se seus pais querem homenagear uma artista
- Tarsila... Boa viagem, te vejo por aí - ela se aproxima e me da um beijo na bochecha quando passa por mim. - Gostei do ursinho - diz antes de sair do banheiro.
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Lola
RomanceUma tarde chuvosa e um casaco de alguém que ama. Assim é o princípio do término entre Tarcilla e Lola. Um desentendimento entre as duas personagens põe fim em seu relacionamento. Numa conversa profunda e nostálgica, Tar revive todos os momentos com...