latim.

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Solidão d'outrora regozija a melancolia de minh'alma. Metafísica e poesia são como água e óleo; não difundem. O conhecimento empírico diz que deveria conhecer o mundo pelo meu sentir, contudo, não sinto nada além de borboletas mortas a rodearem meu estômago com a quentura do néctar precioso; surbia que me concebe o dom de escrever sobre o quanto minha alma chora ao ver-te. Sinto-me ultrapassada, outrora lhe havia dado o dom de tocar além de minha tez lívida, dei-te a honra de deleitar d'um amor incessável, de algo que nunca havia dado a ninguém, d'uma confiança que nasce da palavra ''confidare'' palavra em latim, e aliás, tu ficaste pouquíssimo tempo, antes mesmo de descobrir que minha linguagem favorita não era o puro e romântico francês, e sim, o latim. O latim é uma língua morta, acredito que combine com meu estado de espírito, ou, com o modo que meu coração está após vê-lo negar tudo que queria obsequiar-te, com isto, deixo uma última carta, ao além do ponto, ao além de mim, dedico-te a insana alma d'uma poetisa que faleceu e desfaleceu nos últimos cinco anos e que utiliza de sua lástima e desaire para transformar em arte o que deveria ser apenas semeado em lágrimas.

Minha cadela persegue o próprio rabo como eu persigo minha presa, presa esta que indica um ciclo repetitivo, fadado ao tóxico e à consternação eterna. Não sei se lhe digo que sou melancólica ou filha da euforia. Não sei qual personalidade me apetece, não sei aquilo que m'enluarava ao ponto de o céu explodir em meu peito — seja em venusta felicidade ou em soturnidade resplandecente —, sou eterna filha da via láctea, eterna amante dos anéis de saturno que, mais uma vez, fazem jus à minha obsessão por ciclos que rondam e rondam um problema muito maior. Não que eu queira comparar a complexidade d'um planeta tão belo aos meus sentimentos caóticos e não compreensíveis, mas, sim, transformar isto em linguagem sincera. Vejo meu peito decair ao ponto de tornar-se poeira estelar. Poeira de estrela me compõe, assim como os rastros de radioatividade da Terra que orbitam minha tez com afinco. Talvez, escrever me seja um ciclo. Não me calo, a voz do meu peito é o grito, meus dedos pedem socorro ao invés dos meus lábios e, eu, apenas aceito tamanho desespero em externalizar aquilo que me sufoca. Palavras são como as mãos que prendem meu semblante vulnerável contra a parede e tiram-me o ar; palavras são como o barulho disparado d'um calibre. Escrever me mata diariamente e eu aceito a morte, assim como o Latim.

A morte me aproxima dele assim como o aproxima de mim. Inércia de medos, inércia de hábitos autodestrutivos, inércia de vontade de mudança. Meu eu clamo mudança e claramente é o que me torna diferente da língua latina. Talvez me utilizem como método de definir palavras que nunca devem mudar de significado, assim como utilizam o belo latim sob fins biológicos e literários, é provável que eu nunca mude de significado. Sempre serei o livro entreaberto d'uma biblioteca abandonada, aquele mesmo, meu caro, aquele que tu lerias com tamanho desprezo e não perderia tempo em definir minha categoria, escolhendo unicamente jogar no primeiro canto estreito e amadeirado da estante, e eu, observaria você escolher outro que não fosse exclusivamente uma capa deleitável e chamativa. Eu não mudo de significado, serei eternamente a supérflua nunca escolhida.

Os carros poluem cada vez mais o oxigênio que entra pelas minhas narinas, me levando ao ópio. Nem ar puro me limpa de tal sujeita advinda da insegurança, nem mais a natureza, mãe de todos, consegue me acalentar. São Paulo tornou-se cinza e a língua portuguesa é crucificada dia após dia. Meu mundo sarapintado tornou-se acinzentado como o céu d'esta cidade que pulsa com vida em cada ato. O outono vem, as folhas caem, sinto-me em casa. Os tons alaranjados fazem misto com o cinza que meus olhos captam; refletindo minha alma. No fundo, sou a morte em vida, vagando pelas ruas em busca de algo que me atinja profundamente e me faça escrever. Vivo em função dos sentimentos que outros estimulam em mim. Vivo em função de escrever e matar cada dia mais minha própria sanidade. Vivo em torno do desdém de um mundo que não vê mais beleza em palavras mortas.

O texto acaba, as borboletas mortas se desfazem no chão e eu vomito palavras sem nunca tê-las ditas.  

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⏰ Última atualização: Apr 19, 2019 ⏰

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