Cap. 1

36 1 0
                                    

Tinha saído para me refugiar do clima conturbado que estava em casa, era sempre isso, essa implicância com qualquer decisão que eu tomava fora do padrão que eles haviam criado. Tirei o all star e as meias, senti a grama entre meus dedos e aumentei a música no headphone, não tinha muita coisa melhor que isso, se isolar um pouco com música... Ouvi cada nota do violino e transmiti para minha mão, tocando o meu próprio, que no momento era apenas imaginário.
Depois de descontar meu turbilhão de emoções nos meus ouvidos com música alta, resolvi dar um descanso e ouvir o silêncio do parque, mas para minha surpresa, identifiquei um choro no meio daquela quietude. Olhei ao redor procurando em todo canto, até ver um chapéu coco deixado na grama, me aproximei e aqueles soluços ficaram mais altos, espiei atrás das folhas e encontrei uma menina - uma mulher? Nunca sei quando usar - Os cabelos escuros cobriam a lateral do corpo, consegui apenas ver suas mãos dadas abraçando as próprias pernas, ela não tinha me notado.
- Olá... - Não queria me intrometer, mas algo em mim foi mais forte. - Desculpa, talvez você não queira conversar, mas se precisar, aqui desse lado do arbusto tem alguém para ouvir. - Não fiquei esperançosa de receber resposta.
- Eu só não entendo como as pessoas podem ser tão incompreensíveis. - Ela disse em voz baixa cortada por soluços.
- No fim sempre tem algum assunto que já temos um pré conceito e só...
- Mas por que ser tão difícil... Era só não ser rude... Não tem motivo... - E os soluços voltaram. Dei uma boa fitada naquele céu livre de nuvens e suspirei.
- Posso te oferecer um abraço? - Eu sei que sou impulsiva, mas no fim só temos um ao outro, o que eu poderia fazer? Simplesmente ficar ouvindo? Às vezes precisamos de contato.
- Pode, aan... Seu nome? - Afastei a grama e me levantei, ultrapassei o arbusto e estendi a mão.
- Lua, meu nome é Lua. - Ela se levantou e pude ver seu rosto, olhos verdes, naquele tom número 158 de lápis da Faber Castell. E que pessoa linda! Cada detalhe do rosto caía perfeitamente bem, como se a tivessem tirado de uma pintura. As sardas, aquele cabelo comprido e até o nariz vermelho ficava fofo.
- Ella - Ela havia levantado, colocado o chapéu, os óculos e me estendeu a mão, que eu só peguei um bom tempo depois por estar travada. Pigarreei e abri os braços esperando ela aceitar o abraço. Senti suas mãos abertas nas minhas costas e a cabeça repousou no meu ombro.
- Vai ficar tudo bem, com calma as coisas vão se ajeitar.
- Obrigada e desculpa despejar toda essa energia pesada em você.
- Está tudo bem, quer me falar o que aconteceu?
- Meu deus, desculpa! - Ela passou a mão no meu ombro no intuito de limpar algo. - Manchei de maquiagem.
- Se acalma, não se preocupa não, em casa eu tiro. - Dei um riso e ela retribuiu me encarando com aqueles olhos brilhantes.
- Posso te contar a história?
- Claro que pode! - Busquei o lençol na mochila e forrei para deitarmos.
- Eu briguei com minha namorada... - Ela me encarou, mas sabia que não haveria repreensão, era por isso que meu corpo não deixou passar despercebido! Concordei com a cabeça e passei a mão no cabelo, aquele tipo de problema era algo que me fazia falta na situação atual. - Eu sei que as coisas são complicadas, mas eu não posso falar para minha mãe que sou sapatão, entende? - Eu sorri, essa forma de nos chamar acabara sendo cômico, em pensar que antes era um baita insulto. E ela falando assim, quebrava minha primeira impressão de menina indefesa.
- Mais do que você imagina. Quando me assumi, fiz muita coisa de uma vez só, primeiro que saí falando que ia cortar as pontas do cabelo e voltei com ele desse jeito - raspado nas laterais e um pouco maior em cima - meu pai quase surtou? Sim, mas tudo bem.
- Então... Mas sempre cada um tem seu tempo, e não sei nem como abordar minha mãe sobre esse assunto.
- Quer uma opinião sincera? - Ela estava brincando com a ponta do lençol.
- Não sei se estou pronta para ouvir. - Encarei o céu que agora tinha uma nuvem em formato de dinossauro.
- Tudo bem, quer falar mais sobre isso ou mudar o assunto? - Me levantei e tirei a xadrez vermelha e preta da cintura.
- Podemos sair desse assunto? - Ela me encarou e o coração gelou com aqueles olhos.
- Quantos anos você tem? - Passei a mão nos fios que caiam na minha testa.
- 21 e você? - Eu jurava que tinha menos de 20!
- 22, dia 16 de novembro.
- Faço dia 25.03
- Uma ariana em dilema? Achei que fossem mais decididos.
- Eu sou, eu sei o que quero, só não quero causar confusão.
- Oi? Qual é o seu ascendente?
- Libra.
- Que perfeição, seu ascendente é seu signo complementar.
- Eu não entendo nada disso. E você... - Ela interrompeu e tirou o celular do bolso da jardineira. - Eu não quero conversar com você... Não... Não vou falar disso por telefone... No mesmo lugar de sempre. - Ela abaixou o celular e me olhou.
- Está tudo bem? - Olhei para ela por cima dos óculos.
- Era minha namorada... Acho que vou indo. - Ela foi levantando e arrumando a roupa.
- Boa sorte. - Dei tchau com um aceno e vi ela se afastar, deitei de volta no lençol e suspirei.

Uma Página PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora