II. 1868

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— NÃO SEI ONDE você arranjou esse jardineiro, mas não o deixe escapar por nada nesse mundo, Aurelius!
A pergunta corria de casarão em casarão e pelas estradas do condado: de onde, afinal, tinha vindo aquele sujeito alto e descabelado, os cachos caindo sobre os olhos como se não conhecesse pente nem escova? Viera em um dia de outono sem bagagens e sem recomendações, roupas gastas e sem chapéu, pedindo emprego na casa de Aurelius. Qualquer coisa servia, mas ele era muito bom com plantas. Falava em um ritmo de aprendiz e um sotaque irreconhecível, a voz melodiosa quase inaudível por vezes.

Dali, ele não era; tinha o ar selvagem de quem viera de longe. Aurelius entendia de selvagens: seu pai tinha sido militar em terras distantes, crescera entre sadhus e marajás:
podia muito bem adotar um daquela tribo em sua casa.

Se soubesse trabalhar, por que não? Aquela estufa gigantesca que inventara de construir certamente
precisava de cuidados. As empregadas adoravam o rapaz, que a custo descobriram se chamar Sebastian.

Já os empregados ficavam se
perguntando pelos cantos o porquê
de tanta comoção. Era pelo sotaque ou pelos olhos verdes claros? Era o modo
como ele andava ou como olhava para as coisas mais bobas com curiosidade? Quando podia, o estranho passava seu tempo na cozinha, olhando as chamas
do fogão, pondo os dedos em todas as panelas, deixando as mãos nas tinas de água dentro da pia até que os dedos enrugassem, comendo o que lhe
oferecessem com apetite de lobo, sem distinguir o amargo do doce.

— Parece um menino — a cozinheira dizia. — Deve ser doente da
cabeça.

— Vai ver que as coisas são diferentes lá na terra dele.

— E não tem fogão na terra dele? Não tem louça? Como eles fazem?
Se não estava distraído com a alquimia das refeições, o estranho estava na estufa, o grande castelo de vidro que Aurelius mandara construir à imagem e semelhança (e em escala bem reduzida) daquele imenso pavilhão de aço da Grande Exibição do Império.

Aurelius era recém-casado naqueles dias de festa na capital: o mundo lhe era imenso, e a construção de vidro e metal nunca fugiu de sua mente.

Agora tinha seu próprio pavilhão, mas não tinha mais a esposa: o que restara, no lugar, era a filha de cabelos castanhos que a lua-de-mel em Londres lhe rendera e que agora, em seus vestidos de luto em bombazina, os cabelos escondidos em véus, andava pelos jardins com passos
muito pesados e irritados, coçando a cabeça que odiava a seda do traje.

A menina um dia tinha dito que queria um castelo só para si, como os das princesas: o dono da casa lhe deu aquela construção de vidro. Não era bem o que ela imaginava, mas logo ocupou o lugar à sua maneira: fazia festas imaginárias e chás da tarde com suas bonecas debaixo das cúpulas transparentes, enchendo os cabelos com as flores que cresciam no terreno aquecido e brincando com fadas que só seus olhos poderiam ver.
Aurelius se dizia um homem ocupado. Talvez fosse.

Também era terrivelmente distraído. Só assim para não ter notado os animais estranhos que começaram a aparecer pelos campos.

O guarda-caças abatera um veado
que era praticamente um monstro de tão grande, de um tom quase rubro nos pelos, coisa que só se via em livros.

Raposas que mais pareciam cachorros se escondiam nos troncos das árvores próximas à estufa. Morcegos se alojavam em qualquer canto mais escuro que houvesse dentro da casa. E a cozinheira agora tinha que espantar pássaros brancos da plantação de ervas que mantinha nos fundos do quintal.

Achou que eram gaivotas; não seria
estranho, ainda mais no inverno, quando os bichos fugiam da costa atrás de comida e de pouco vento. Mas não eram.

— Não existe corvo branco, Eliza — o mordomo bufou.

— Deixe de sandices.

— Mas eu vi!

— Você acha que viu. Esses troços...

A Casa de Vidro  (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora