VII. A NOITE

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SEBASTIAN VOLTOU UM mês depois. Por fora, parecia o mesmo jardineiro
de sempre, as mesmas roupas encardidas e as mãos calejadas.

Mas Eleanor
notou o cansaço em seu olhar, o modo como ele coçava os braços com mais
raiva enquanto trabalhava, cavando a terra com ódio, atacando-a em golpes
duros.

À noite, quando todos dormiam, ela praticamente arrancou as mangas
da camisa dele para satisfazer sua curiosidade: as manchas tinham se
espalhado até a altura dos ombros, o azul ainda mais profundo, ainda mais
gelado ao toque.

A estufa estava escura, nem mesmo um lampião ou uma
vela, e, no entanto, ela conseguia muito bem enxergar o torso de Sebastian
transformado.


— Dói muito? — ela perguntou.

— Dói muito. É a reação com o oxigênio no ar de vocês. Incomoda.

— Você não deveria ter voltado, se isso lhe machuca!

— Só dura alguns dias. Logo volto a me adaptar ao seu ambiente. E
precisava voltar. Nós dois ainda temos um assunto a tratar.

— Vista-se, pelo amor de Deus. — Ela virou-se de costas. — Você é
indecente.

— Foi você quem fez as honras de remover minha roupa. Como posso
ser o indecente? — Ele riu, cobrindo os braços com as mangas da camisa.

— Creio que sei do que você tem medo. Posso tentar explicar como será?

— Como será? — Ela quase engasgou, cobrindo o rosto com as mãos.

— Não posso! Tem ideia do horror que seria para mim? Não, você não
entende. As coisas são diferentes aqui. Você não tem ideia do que você está
propondo.

— Tenho uma ideia bem clara, na verdade.

— Você é só um jardineiro. De um mundo que eu não entendo, que não
conheço, que me assusta.

— Ela se afastou, tremendo, as palavras se
acumulando no fundo de sua garganta como cola

— Você disse que viu como
humanos fazem filhos. Você viu o que acontece com as mulheres depois que
as crianças nascem? Viu como as pessoas as tratam? Viu a humilhação que
me espera?! Para o inferno com o seu imperativo!
Eleanor escutou um som estranho, como se alguém se aproximasse pela
floresta fora da estufa.

Porém, era a floresta quem se aproximava dela:
Sebastian tinha as mãos contra o tronco da árvore e um universo de plantas
crescia a seu redor, alimentando-se dele. Flores púrpuras abriam-se com
pressa, vergando os galhos com seu peso, intoxicando o ar.

Eleanor afundou-
se nas dobras do vestido, agarrando-se às bordas do corset, surpresa, olhando
para o alto: as heras e azevinhos agora cobriam os vidros do teto, escondendo
a lua e as estrelas.

Tudo cobria os dois como um dossel vivo, um esconderijo,
uma prisão.

— Desculpe — ele sussurrou, tão assustado quanto ela, suando frio,
tremendo com o esforço. — Você parece me compreender tão bem… Que me
esqueço. Esqueço que somos diferentes. Desculpe.

— Está tudo bem — ela respondeu, os olhos ainda fixos no teto coberto
de plantas, a respiração difícil. O monstro em seu peito, de novo, queria sair a
todo custo, mesmo longe do toque das mãos dele. Seu corpo pulsava de uma
maneira descompassada, desesperado por alguma espécie de alívio, algum
tipo de libertação que ela não conseguia encontrar.

Como ia explicar aquilo?
Até seu pai, parvo que era, iria notar que a casa de vidro tinha se
transformado.

Eleanor baixou os olhos para observar Sebastian se afastar um pouco,
depois retornar, passos largos e confusos, tropeçando nas pedras do
calçamento, na barra de suas calças. Ele suava, coçando os braços doloridos,
as costelas machucadas, os nós dos dedos em carne viva, ou o que deveria ser
carne viva, nada senão mais azul escorrendo pelas palmas de suas mãos,
evaporando antes de atingir o chão.

— Isso não é tão simples — foi tudo o que ela conseguiu dizer — O que
vai ser dessa criatura que você quer? Onde ela vai viver? Como eu vou
conseguir viver depois disso? Você é egoísta. Pensa só em sua sobrevivência
e não em mim.

— Não sou. Acho que não sou, pelo menos... Achei que você desejava
isso também. Por isso voltei. Precisei brigar para voltar. A gente do meu
mundo não acreditou quando disse que tinha achado você.

— Por que você precisa disso?

— Porque é como sou feito. Vivemos para isso: para criar. Sei que é
diferente para vocês: não acha que me preocupa? Voltei porque me deram a
certeza de que nada desse horror lhe atingiria. E achei... Você vem me ver
quando está dormindo. Todas as noites, você atravessa os sonhos e me
encontra aqui. Sua voz não demonstra nenhum nojo, nenhum medo. E seus
olhos me encaram como se… Me encaram como se me vissem, como se
soubessem o tempo todo que eu sou eu! Que seria isso o resultado de nosso
encontro. Como iria imaginar que você iria agir como se fosse mais uma
humana medrosa?!
Eleanor levou a mão aos lábios. Então não tinha sido real? Nada
daquilo? Ela realmente acordava em sua cama e ninguém via Sebastian sair
de seu quarto porque ele nunca estivera ali. Fechou os olhos, tentando não
chorar, sentindo-se tão oca quanto o corpo do jardineiro, o coração aos
poucos parando de bater, o pulso morrendo em suas têmporas. Quando tomou
coragem para vê-lo novamente, as plantas haviam desaparecido: e também
Sebastian.

Quando abriu os olhos novamente, estava em sua cama, sozinha, febril,
exausta. Amanhecia. E plantas brotavam nos balaústres de sua cama.

A Casa de Vidro  (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora