O pastor

1.2K 27 0
                                    

Entro na igreja vazia, a iluminação chega aos meus olhos de uma forma que me incomoda bastante, mas não estou aqui pra reclamar. Observo o lugar sem medo, apenas outra daquelas igrejas evangélicas em expansão. Mas estou aqui pelas lembranças. Mesmo dividindo o mesmo corpo que Samael, gosto de estar em lugares que me lembre do que eu sou. Gênese, mas antes de tudo humano.

Só tem uma pessoa até agora, sentada no terceiro banco. Aproximo-me e sento ao seu lado. Eu sei quem ele é. Está mais gordo é verdade. Mas ainda é o mesmo homem, o pastor que mudou e ferrou com minha vida. Sentado ali ele parece mais calvo, cansado. Aproximo-me e sento bem ao lado. Então ele me reconhece.

- Bom dia pastor Fabio.

- Bom dia – ele olha sem jeito – Você cresceu.

- Sim pastor, muita coisa mudou depois do que fez com minha vida.

- Oh, garoto – ele diz com os olhos lacrimejando – me perdoe, fui tão tolo, acreditei em tantas mentiras. Por isso estou de volta aqui.

- O que aconteceu pastor, você parece doente.

- Não me chame de pastor garoto, não tenho mais esse cargo.

- O que aconteceu?

Seu rosto denuncia lembranças amargas, coisas que ele queria esquecer, mas não pode. Como um pesadelo isso deve devora-lo por dentro. Ele suspira e começa o relato.

- Bem, você se lembra quando fui embora daqui não é? – Aceno com a cabeça – pois é, fui mandado para uma igreja no interior de São Paulo. Lá eu mantive a mesma sistemática que tinha aqui. Mas comecei a perceber que os jovens lá não frequentavam a igreja. Eram jovens arruaceiros e nunca apareciam. Então meu coração foi se enchendo de revolta, quando apareceu o primeiro. Era um rapaz de 17 anos dizendo que tinha engravidado a namorada e não sabia o que fazer. Acredita nisso? – Ele dizia com um sorriso triste – Dai pra frente so foi piorando.

Ele fez uma pausa, parecia desolado, Samael dentro de mim se divertia com o sofrimento dele, eu ainda conseguia ter pena, mesmo que fosse só de relance.

- Então permanecia lá, ouvindo pecados que você nem imagina daquele povo esquecido por Deus. Pedi ao bispo que me tirasse de lá, mas meus lamentos não eram ouvidos. Foi quando tudo mudou. Uma garota chegou lá pela manha, desolada. Levei-a para a sala de atendimento e comecei a ouvir sua historia. De acordo com ela, ela havia bebido demais e usado drogas e estava totalmente dopada. Quando acordou pela manha estava nua na cama com o próprio irmão. Aquela historia me chocou. Você sabe o quanto eu era radical.

Realmente eu sabia, foi esse radicalismo que fez com que ele me levasse na frente de todos os membros da igreja pra ser julgado em um conclave, onde eu simplesmente fui condenado, sem direito a defesa.

- Eu perdi a paciência e quando percebi, tinha atacado a moça, dado em seu rosto um soco enquanto a chamava de meretriz. Percebi meu erro ao ouvir um bater de palmas. Quando olhei para a porta, havia um homem parado. Parecia um astro do rock, com o cabelo liso rebelde, calça e jaqueta de couro. Ele sorria pra mim. Meu segundo erro foi perguntar quem ele era. Sua presença me atacou num misto de amor e nojo. Então eu soube exatamente quem era. Ele caminhou ate mim com suas palavras doces. “O que foi pastor? Assustado? Não deveria afinal você e um homem santo, acima de mim ou até mesmo dessa garota que você acabou de quebrar o maxilar com um soco.” Tive medo, muito medo.

Ele começava a suar, não estava impressionado. Raramente se fica na frente de um demônio sem ter pesadelos por dias.

- Ele sorriu pra mim, percebeu que eu temia. “Você é um bom juiz pastor, gosta de ouvir a historia dos outros, acho que deveria ouvir a minha. Deveria ouvir a verdade.” Eu não queria ir, não queria. Mas havia autoridade em sua voz. “Venha!” ele disse “Venha!”. Não pude resistir. Sentei-me e comecei a ouvir sua Historia. “Pastor me ajude, a muito fui embora de casa por ter brigado com meu Pai” Foi horrível ouvir cada palavra.

Ele colocou as mãos na cabeça, dava pra ver que era difícil raciocinar.

- A historia durou horas, dias. Não sei dizer. Quando sai daquela sala, eu sabia a verdade. Olhei para o nome acima do altar e gritei pra ele. Não foi por nossos pecados garoto, o sacrifício não foi por nossos pecados. – Ele chorava insistente mente – Então botei fogo na igreja e fugi. As palavras dele ficaram gravadas em minha mente. Então comecei a peregrinar pelo mundo, vi e conheci coisas. Soube de tudo que aconteceu, fiz coisas horríveis e loucuras. Passei 2 anos internado em um sanatório em Brasília, quando sai, vim direto pra cá. Senti um poder semelhante me chamando. Caminhei por dias a esmo até chegar aqui, onde tudo começou. Agora olhando em seus olhos tenho certeza, foi tudo obra sua. Você o mandou até mim.

Samael toma o controle de meu corpo por alguns minutos e com sua voz de serpente ele diz:

- Não. Pelo contrario, estou procurando Lúcifer também.

Os olhos do Pastor enchem de lagrimas novamente.

- Andei até aqui e não tenho respostas.

Olhei pra ele com o máximo de pena que podia.

- Pastor. Posso te perguntar uma coisa?

- Claro. – Ele responde com as mãos nos bolsos. O que quer saber?

- O que Lúcifer te disse?

De repente, ele o pastor começou a rir, suas risadas começaram com risadinhas histéricas até gargalhadas insanas, então tirou dos bolsos dois lápis, enfiou os dois nos olhos e bateu sua cabeça no banco da frente até que seu crânio se partisse. Levantei-me olhando a cena. Ao chegar do lado de fora, visto o blazer. Está um pouco frio.

- Acha que Lúcifer virá ate nos agora?

Pergunta Samael em minha mente.

- Não. Duvido muito. Um sacerdote louco não é um sacrifício apropriado para o príncipe das Trevas. Teremos que esperar. Mas ao menos sabemos onde ele se encontra.

Samael concorda, e começamos a caminhar. Será muito difícil conseguir um novo sacrifício agora. 

Crônicas do Céu e o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora