Capítulo 01

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|Dias Atuais|

𝔅𝔢𝔫

O barulho do relógio me irritava, era como se ele não quisesse parar de apitar até me ver levantar e o jogar contra a parede. Eu estava em algum canto do meu quarto, talvez fosse perto do banheiro ou próximo a cama, mas não iria abrir meus olhos para constatar tal fato.

Hoje é um dos dias em que eu simplesmente não quero abrir os olhos e me sentir vivo, só o fato de meu coração estar batendo deixa-me deveras entristecido, principalmente hoje, como em tantos anos é.

O relógio não para e nem o meu coração.

A vida não parou só porque ela se foi e isso me deixa maluco a ponto de me levantar e cambalear como um bêbado até a mesa próxima a minha cama. Não me segurei e apenas joguei aquele troço irritante na parede fazendo-o se estilhaçar em pedaços tão pequenos e singelos. Minha mãe com certeza me mataria, mas nada iria tirar a minha raiva. Nem mesmo vários goles da vodka pura que tomei na noite passada antes de cair e dormir no chão, apesar de eu possuir uma cama enorme e confortável. Talvez eu não queira o conforto, não sem saber como ela morreu. Talvez eu queira sentir a morte invadir meu peito apenas para me igualar a ela.

Ela foi tola.

E eu a culpo por ser tão teimosa a ponto de me deixar carregando este fardo que é a sua morte.

Não, eu não a matei. Porém, desejei por anos estar morto em seu lugar.

Infelizmente os anos não vão parar e esta data só irá envelhecer, assim como ela. Deixo a merda daquele relógio como está, pego a primeira toalha que vi jogada em cima da poltrona, e vou em direção ao banheiro para tomar uma ducha. A água me ajuda a acalmar os nervos e não descontar todo este desconforto na minha família. Eu tenho que ser o filho perfeito, apesar de estar banhado por imperfeições, não posso demonstrar minha fraqueza, não sendo o futuro rei.

Entro debaixo do chuveiro gelado e travo ao sentir meu corpo antes quente se tornar frio. Minha mente se tornou uma névoa conforme os anos foram se passando e apenas um banho gelado pode me acalmar tanto, acredito que devo ter herdado alguns dos costumes dela. Quando noto estou rindo sozinho enquanto espalho o shampoo por entre os fios do meu cabelo. Apesar de sempre odiar quando ela vem a minha mente, amo estas lembranças. Ela sempre esteve certa ao dizer que a água gelada acalma a raiva porque te faz pensar no quanto está frio e não na vontade de simplesmente esmurrar uma parede. Ela está nos meus pensamentos a todo momento e isto me dói.

Fecho os olhos para tirar todo aquele sabão dos meus cabelos e não sinto quando minhas lágrimas se misturaram à aquelas águas.

- Eu sinto a sua falta Mad.

...

Desço as escadas já completamente arrumado tentando deixar toda aquela melancolia de lado, me preparando para encarar os meus pais que com toda a certeza prepararam um dia incrível afim de me fazer esquecer o que tanto me assombra. Não os culpo, eu também seria sensato a este ponto caso alguém sofresse o mesmo que sofri. Eu sei que eles também sofrem, pois ela fez questão de ser importante para todos. Ela era incrível.

Logo depois de cruzar as portas de entrada do salão de jantar, vejo a minha mãe me esperando com um sorrindo lindo e compreensível. Devolvo o sorriso e a abraço sentindo-a acariciar minhas costas.

- Bom dia filho, como está se sentindo hoje? - Eu sabia do que ela estava se referindo e suspirei voltando a encara-la.

- Eu nem se quer me lembro do rosto dela, mãe. Estou bem, não precisa se preocupar - Espero que ela não tenha visto a maneira em que fiquei de madrugada, seria doloroso de mais para ela saber o tanto que aquilo ainda me dói.

Seu sorriso se desmancha porém ela não me faz mais perguntas e se senta esperando o meu pai.

- Eu ainda irei quebrar uma jarra na cabeça daquele reizinho metido a besta - Gargalhei ao ouvir Bela se referir ao rei. Ela odiava quando ele se atrasava para o nosso café em família, algo que acontecia bastante e sempre me fazia rir.

- Não o culpe mãe, ele ficou trabalhando até tarde ontem - Me arrependi de o defender assim que recebi um olhar mortal da minha progenitora.

- O problema é dele, não o mandei ficar até tarde da noite com a cara enfiada naqueles papéis - Sorri me sentando e segurando a sua mão.

- Eu não sou o suficiente pra' senhora? - Vi sua cara emburrada murchar e ela segurar minha mão levando-a até os lábios deixando um beijo caloroso.

- É sim, meu bebê - Ouvi risos e me virei encontrando o assunto da nossa conversa parado no batente da porta, rindo sozinho.

- Um bebê Benjamin? - Sorri e revirei os olhos.

- Uma hora dessas Adam?! - Não demorou muito e minha mãe fez o seu costumeiro comentário - Já estou terminando o meu café e é agora que você aparece?.

- Desculpa amor, dormi demais hoje.

- Hoje e todo dia, não é?.

Eu me divertia encarando os dois tendo esta mera discussão tão presente em nosso dia a dia, mas que fazia-me desprender-me daqueles pensamento tão sombrios. Eu os amo muito e eles com certeza são o melhor remédio que eu preciso.

- A sua mãe é dramática não é? Ela nem se quer tomou café ainda - Comentou o meu pai fazendo-a encara-lo completamente irritada.

- Eu acredito que você não está afim de ganhar um roxo hoje Adam, portanto sente-se antes que eu cometa uma atrocidade! - Ele apenas engoliu em seco e se sentou ao lado dela, deixando um beijo em sua bochecha e sussurrando algo que não pude ouvir, mas que a fez olha-lo e sorrir.

Mesmo depois de anos eles ainda se amam desesperadamente e eu os entendo como nunca.

Começamos a comer e a conversar sobre assuntos diversos, nunca deixando de rir das piadas que meu pai fazia com relação aos apelidos que minha mãe insistia em me chamar. Eles me fizeram esquecer por alguns minutos dela.

Todavia, eu me mantive em silêncio e abaixei a minha cabeça ao pensar que deveria ser nós ali implicando um com o outro, rindo e trocando piadas. Nos amando.

Ainda me lembro do sorriso dela, ele era lindo e brilhante e assim como eu, ela era uma criança encantadora que foi e ainda é o meu primeiro amor. A única destinada a ter o meu coração.

- Filho...- Escutei minha mãe sussurrar e senti meu pai apertar levemente a minha mão.

- Eu só queria que ela estivesse aqui.

𝓐 𝓖𝓪𝓻𝓸𝓽𝓪 𝓭𝓸 𝓛𝓪𝓭𝓸 𝓔𝓻𝓻𝓪𝓭𝓸 𝓭𝓪 𝓟𝓸𝓷𝓽𝓮  Onde histórias criam vida. Descubra agora