𝓐 𝓖𝓪𝓻𝓸𝓽𝓪 𝓭𝓸 𝓛𝓪𝓭𝓸 𝓔𝓻𝓻𝓪𝓭𝓸 𝓭𝓪 𝓟𝓸𝓷𝓽𝓮

Capítulo 03

𝔅𝔢𝔫

Eu já estava ficando entediado.

Meu dia começou de uma maneira trágica e até mesmo dolorosa, fazendo de mim um mero mortal respirando por pulmões estranhos. Os dois completamente incompatíveis com o coração bombeando desesperadamente em meu peito. Nada acalmava-me naquela manhã, principalmente o falatório constante de meus amigos. Eles me bombardearam com suas risadas calorosas e esganiçadas, fazendo-me desejar ter permanecido na cama mesmo depois de uma noite terrível.

Minha coroação estava próxima e estes se mostraram incrivelmente interessados, no entanto, completamente encorajados a me fazer desistir. Eu não poderia mesmo que isto me custasse caro no futuro. Ela iria querer que eu continuasse, mesmo que sozinho.

Doug era o mais calado, ele me encarava esperando por alguma reação, a qual eu não esbocei. Seus dedos apertaram fortemente o terno que vestia, deixando-os quase totalmente brancos. Seu olhar era de puro ódio para os dois ao nosso lado, tão focados em me difamar e rir sobre a minha postura naquela manhã.

Eu não estava nos meus melhores dias para fingir.

Audrey deveria saber, mas apenas se prontificou a rir com Chad desapontando-me. Ela era a minha namorada certamente não amada por mim, não da maneira que ela deseja. Eu me sinto muito idiota por não compartilhar deste sentimento com ela, mas uma simples pessoa não pode mandar no coração do outro. Eu estaria mentindo se dissesse que a amo em uma intensidade avassaladora, quando apenas a tolero.

- Vocês não acham que já riram o bastante? - Doug perdeu a paciência, brigando com eles entre dentes demonstrando sua impaciência.

- Estávamos apenas comentando. Benjamin parece abatido esses dias - Suspirou Audrey enrolando suas madeixas na ponta dos dedos.

- E isso continua não sendo da sua conta Audrey - Completou Doug me fazendo rir internamente por sua raiva tão explícita.

- Está tudo bem - Sussurrei em um apelo para que eles se toquem, não aguentando permanecer naquele refeitório - Já que a minha presença incomoda, estou me retirando.

Me levantei preguiçosamente esboçando um sorriso cansado para o meu melhor amigo, encorajando-o a me seguir. Ele apenas negou com a cabeça ao saber que meus objetivos eram trancafiar-me na biblioteca e perder um par de aulas apenas para refletir. Isso já estava se tornando algo incrivelmente comum desde que ela se foi.

Eu parecia pertencer a aquelas prateleiras abarrotadas de livros acadêmicos, todos completamente entediantes e enormes. Nada entraria no meu cérebro, mas o silêncio era o que eu almejava neste momento, e andar por aqueles corredores cheios de alunos absurdamente barulhentos, de alguma forma fizera uma mísera dor de cabeça surgir. Está que possivelmente me acompanharia até o fim do dia.

Quando abri aquelas portas o sentimento de acolhimento me tomou abruptamente, e mesmo que houvesse uma certa quantidade de pessoas espalhadas por algumas mesas, o silêncio ainda sim prevalecia. O que era estranho, justamente quando seres humanos são estranhamente acostumados ao calor de uma conversa, e trocar idéias parece ser algo inevitável quando se tem companhia.

Todos pareciam apreciar apenas a presença dos livros, tolerando o que não é letra e nem está em capa dura. Um suspiro saira de mim sem que eu permitisse e assim olhei sorridente para a bibliotecária. Ela era um ser rabugento e amargo, completamente diferente de qualquer outro professor de Auradon Prep. Seu esquema de organização era um tanto peculiar, levando em consideração a sua mesa abarrotada de livros para serem realocados nas estantes. Eu jamais conseguiria organizar a mente com uma mesa tão bagunçada.

Ignorando-a completei o meu caminho até a mesa de sempre, pegando qualquer livro da estante a frente e não me dando conta do título e nem se quer da narrativa. Eu apenas o abriria em uma página aleatória e mudaria conforme sentisse a necessidade. Ler requer uma absurda concentração e no momento os meus pensamentos estavam fixados na garotinha que perdi.

Eu também era um garoto quando esta desaparecera, e nada disso facilitou para que eu continuasse. Crescer sem a garota sorridente, imaginado se ela havia chegado a minha idade, deixava-me deveras melancólico.

A vida era um poço de possibilidades onde tudo parece ser possível.

A crueldade humana pode ser estranhamente sádica. Mas nem todos os humanos possuem a escolha de colherem o que plantaram e sim, construir o que lhes obrigaram. Quando me dei conta, todas as letras passaram a ser legíveis por mim. A história era um tanto intrigante, nada comparado a uma apostila de questões. Mas me fizera pensar. Não nos acontecimentos que me marcaram, mas em uma certa minoria, do outro lado da ponte. Estes taxados como vilões cruéis por Auradon e todos os reinos possíveis. Nós possuímos a razão, e mesmo assim utilizamos desta arma para cultivar o mal tão abominado por nós seres hipócritas.

Aquelas palavras, aqueles pequenos textos. Todos absurdamente profundos.

Eu havia encontrado um livro doloroso. Ele possuía certa bagagem depressiva e isso me arrancava suspiros pesados. A pessoa que o escreveu, de certa maneira parecia possuir amarras ao seu subconsciente traiçoeiro. Como a ilha era para os vilões. A sua prisão, na qual estes jamais poderão desfrutar da tal liberdade tão almejada pelo personagem. Ele era tão real que eu quase conseguia sentir a sua pele entre os meus dedos. Ela era quente e possuía leves gotículas de suor.

Estranhamente real.

Eu fechei aquela merda, como se aquelas letras fossem me possuir. O baque pode ser ouvido por todos que agora mantinham as atenções em mim. Eu gostaria de tê-los dito que um livro poderia ser muito mais interessante do que um humano fragilizado como eu.

Mas isso soava estranho, ainda mais quando eu não possuía olhares raivosos sob mim, mas sim, certa admiração. Afinal, eu ainda era o príncipe e me tornaria rei. Um rei triste e solitário, mas ainda um rei.

Todos me amariam.

Eu não sou um vilão. É mais fácil se apaixonar por feições mentirosas. Eu minto a todo instante e tão facilmente.

Eles não gostariam de saber que o seu rei está despedaçado. Gostariam?