II

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Faz hoje duas semanas desde que matei aquela mulher. O trabalho não podia ir pior. Tédio atrás de tédio. Todas as conversas nos corredores são sobre a mesma coisa. É a crise de ontem, a crise de hoje e a crise de amanhã. Por uma vez ou outra o assunto muda e ouço que alguém se matou. A última vez foi ontem. Ontem, um vizinho, dos escritórios em cima, meteu uma bala na cabeça, dizem que estava sem dinheiro e atolado em dívidas.

Mete-me confusão.

Eu mato. Tenho, num passado próximo, três mortes. Três pessoas mortas por mim e eu ando razoavelmente bem, pelo menos, não gasto balas em mim. Que mundo é este? Eu mato e não me pesa na consciência; eles endividam-se e matam-se. Covardes…

Sinceramente, pessoas que queiram morrer, avisem.

“Serial killer ao domicílio”

Iriamos, certamente, ganhar todos! As pessoas morriam, pois era esse o seu desejo e eu, eu podia dormir descansado mais uns tempos. Enfim…

Voltando ao assunto.

Vida de merda! Pois é, tédio e mais tédio e mais tédio. Que vida de merda.

Mas já encontrei como quebrar a monotonia.

Hoje, de manhã, enquanto tomava café, assisti a uma discussão.

Um homem e uma mulher.

Ela era baixa. Cabelo loiro, um pouco bronzeada. Bem vestida; trazia um vestido vermelho com um decote discreto. Trazia um anel de noivado.

O homem era de altura média. Cabelo preto ondulado. Barba feita. Vestia um fato azul-escuro, uma camisa branca, mas sem gravata. Ele era o noivo.

Discutiam agressivamente. Ele chegara a estender a mão duas vezes, mas não lhe batera, mesmo assim, ela, assustada, fechou os olhos e encolheu-se.

Eu estava sentado na mesa ao lado e, confesso que, enquanto tomava o café, me passaram mil e uma maneiras de o matar pela cabeça. Desde espancá-lo contra o vidro que estava entre ele e a rua ou até mesmo matá-lo com um garfo, com dois dentes, que estava inanimado na mesa. Não podia fazê-lo, não ali e, com bastante esforço, consegui conter-me.

As últimas palavras dele foram:

-Não me irei casar contigo! Para quê? Estás falida! Não prestas, não te amo, chega de fingir, agora nada importa e, garanto-te, se fosse noutro sítio, matava-te!

Depois disso levantou-se, tirou o anel e deixou-o em cima da mesa e saiu do café. Não me consegui conter depois de tudo aquilo, precisava de me divertir, tinha ali a diversão perfeita. 

Eu segui-lhe os passos, deixei dinheiro em cima da mesa onde eu estava e saí atrás dele. Segui-o durante uns minutos e, esses minutos, bastaram para descobrir onde trabalhava. 

Entrei no edifício e, junto da entrada, uma mulher sentava-se atrás de um balcão. Eu levava dois envelopes grandes debaixo do braço. 

Aproximei-me da recepção e perguntei quem era o homem que tinha entrado, apontando discretamente. Ela respondeu-me. Pedi que me passasse a morada com a desculpa que ele se tinha esquecido de uns papéis no café e que queria entregar o embrulho em mãos. Ela, atenciosamente, caiu na minha mentira.

A manhã vai a meio, eu já sei o nome dele e onde mora; posso dizer que já ganhei o dia. Quando ela me respondeu parecia uma lufada de ar fresco, poderei quebrar a monotonia e deixar estava vida de tédio por umas horas,

Allan Vieira.

Mora num apartamento, fora da cidade.

Enquanto o perseguia tive uma ideia que nunca me tinha surgido.

E que tal tortura?

Vou experimentar.

Divirto-me com o meu brinquedo novo, o tédio acaba e gostava de saber algumas coisas.

Gostava de saber como será; como será o sabor dos gritos de desespero, como será o cheiro do medo e, como será, a harmonia das súplicas de morte.

Crónicas de um Serial KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora