IV

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Há momentos que nunca se esquecem.

E, assim, se há coisa que eu nunca me irei esquecer e levarei comigo para onde for é a primeira morte.

Eu tremia. A adrenalina fazia o meu coração quase ser expulso do peito.

Ela fechava os olhos à medida que eu me aproximava. Amordaçada, apenas gemia. A faca que eu levava, assim que a alcancei, levantou-se, firme, em direcção ao peito dela.

Por uns momentos, parei.

Ela abriu os olhos. Fixou-se em mim pedindo silenciosamente misericórdia. Passei-lhe a mão pelo rosto bem formado, na minha cara apareceu um pequeno sorriso e cravei, com toda a minha força, a faca no coração dela.

Fez-se silêncio, os gemidos desapareceram e, de súbito, eu já não tremia.

A primeira morte foi um ataque de raiva. Uma loucura que abriu caminho para as próximas mortes, para a vingança e para o viciado que sou hoje.

Hoje não sei o que são remorsos, mato por gosto e vício. As primeiras mortes não foram assim. As primeiras foram por loucura, por ódio e vingança.

A primeira é sempre especial.

A primeira foi o despertar do que realmente sou, o que insistia em reprimir.

A primeira chamava-se Emily.

Matar, ao início, não tinha sabor. É óptimo quando se confundem as respirações no ar, quando os sentidos estão entorpecidos não se distingue a respiração ofegante de quem morre e de quem mata.

Há imagem que nos ficam gravadas durante bastante tempo e, se há coisa que eu não irei esquecer é, claramente, o momento em que a matei e de como ela era.

Os cabelos dela eram pretos, assim como os seus olhos, lábios carnudos salientados pelo batom intensamente vermelho, corpo moreno. Eu perdi-me, louco, nos olhos dela. Parecia que descíamos junto até ao inferno; de facto, descemos juntos, mas só eu voltei.

A faca cravou-se no coração dela e soltou-se, dos olhos negros, uma lágrima.

Caí para trás, perdido nos olhos e na faca, tentando, a todo o custo, escapar do meu próprio inferno que me matava lentamente por dentro.

Hoje não tenho inferno em mim.

Hoje não visito infernos, hoje crio infernos.

Crónicas de um Serial KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora