Samantha
Aeroporto Internacional
São Paulo/ Brasil
Bournemouth / Inglaterra
- Filha, tem certeza que é o melhor nesse momento?
- Tenho sim, pai. Não consigo mais ficar aqui, preciso me aventurar um pouco.
- Bom, vou apoiar sua decisão. Sempre que quiser, volte para casa – ele me abraça. – Estaremos aqui o tempo todo.
- Você pode ir ano que vem, não pode? – Minha mãe tenta pela última vez me convencer a ficar.
- Mãe, eu amo vocês, mas preciso mesmo ir – a abraço. – Prometo vir nas férias.
Olho para meus irmãos e quase desisto de meu objetivo.
- Ei – Henry segura minhas mãos. – Está tudo bem, vamos ficar bem. Não se preocupe, te entendo totalmente e já passou da hora de seguirmos nossas vidas. Aproveite, viva todas as experiências, amo você, pestinha.
Benjamin lança um olhar triste para nossos pais, assim que me vê, rapidamente coloca um sorriso no rosto.
- Parece que sou o último – ri. – Vou sentir sua falta, Sam. Principalmente dos seus ovos mexidos com bacon.
E eu dessa doçura que é meu irmão.
- E eu da sua energia leve.
- Posso te abraçar? – Pergunta.
- Ainda pergunta?
No meio do abraço, aproveito para guardar o cheiro, a força e o carinho de Ben, porque tenho certeza que vou sentir um vazio enorme sem ele. Mais de Ben por ter passado grande parte da vida cuidando dele.
- Promete que você e Henry vão brigar menos? – Pergunto já sabendo a resposta.
- Prometo se ele não me provocar.
- Digo o mesmo – Henry se mete.
- Como vocês pretendem sobreviver até as férias?
- Falando com você todos os dias – os dois falaram ao mesmo tempo. – É claro que vamos sobreviver.
Demos um último abraço em família e entrei no avião.
Deixa-los foi uma das coisas mais difíceis que fiz na vida. Não ter mais aquela rotina conturbada, as gritarias dos meninos, os jantares divertidos, as provocações dos meus pais.
Muitas coisas, mais do que posso contar. Apesar de tudo, precisava virar a página e me reencontrar de alguma forma e a melhor que encontrei foi indo para bem longe. Um dos meus sonhos era morar desde criança em algum lugar com neve, era maior que eu, simplesmente.
Quando Jack se foi, não sabia mais quem era, o que faria, como faria. Éramos como unha e carne, inseparáveis. Ele me ensinava sempre a viver os momentos como se fossem os últimos e no fim, agradeço por ter aprendido. Todas as vezes que nos víamos, saíamos ou só fazíamos ligação de vídeo – por horas a fio – emendávamos um assunto no outro e era maravilhoso. É muito difícil criar conexões com quem não temos intimidade, mas com ele, era natural. Dava para sentir a energia cheia de vida que saía da alma dele.
Que me fazia ver qualquer lado de uma situação.
Na poltrona ao lado da minha, um senhor de meia idade tinha os olhos parecidos com os dele e foi impossível não sorrir. Conectei meus fones ao celular e a playlist que ele tinha preparado para mim começou a tocar.
Normalmente, quando estávamos em algum lugar, quem não nos conhecia, achava que éramos namorados ou algo do tipo, mas era engraçado. Nem nós mesmos sabíamos como aquela conexão existia e desde quando começou, então só aproveitávamos.
Tenho a péssima mania de não apagar as conversas de e-mails e redes sociais, então, quando tenho saudade, releio tudo. Pensando por um lado, é deprimente, só que ao mesmo tempo faz com que me sinta mais perto da nossa antiga rotina.
Henry falava o quanto meu celular perderia espaço para coisas mais úteis, como baixar um jogo para passar o tempo entediante. Não lembro dele comentar sobre alguma namorada, por ser sempre focado nos treinos de futebol americano. Mas nunca vamos conhecer tudo a respeito de alguém.
Odeio avião, mas até que de vez em quando é um bom lugar para se pensar na vida e ouvir uma boa música. Lembranças e fotos devem ser as coisas que mais guardamos. O momento capturado fica eternizado na foto, como se sempre tivesse existido. Seria legal se as pessoas virassem fotos, assim jamais as perderíamos.
Estou com sono, não o suficiente para dormir, nem o suficiente para olhar pela janela, então, fecho os olhos por uns minutos. Por meses, eu chorava sem parar, e agora, parece que chorei tanto que me tornei mais resistente à dor. Sinto vontade, as lágrimas ameaçam cair e param de repente.
Quero chegar logo e explorar cada cantinho, ouvir como as pessoas falam, conhecer quem vou dividir a casa e principalmente a faculdade. Tudo bem que tudo isso perde para a minha fixação que é patinar no gelo e futuramente participar dos torneios, mês que vem o frio já vai chegar, mal posso esperar para viver tudo o que sonhei desde que vi os filmes de princesa pela primeira vez.
A primeira coisa a ser vista é o mar, que tem duas cores que se misturam em determinado momento. Um dos meus lugares favoritos também é a praia – por isso escolhi essa cidade. – Fui pesquisando e nem acreditei, a cidade tem doze quilômetros de praia, muito surreal. Desembarquei e aparentemente o tempo estava mudando. Não trouxe guarda-chuva. O jeito seria conseguir um taxi rápido e rezar para chegar sem me molhar inteira.
- Olha o guarda-chuva! Aproveitem os últimos, já olharam o céu? – Um homem com sorriso meio frouxo e sotaque carregado do sul falava alto, chamando a atenção das pessoas e só queria saber quanto custava. Me aproximei e ele levantou um.
- Boa tarde, senhor, quanto custa? – Perguntei enquanto vestia a jaqueta e olhando o céu.
- Boa tarde, mocinha, apenas três libras – ele lançou um olhar feliz. – Vai levar?
- Com certeza, essa chuva não estava nos meus planos – entreguei o dinheiro, já abrindo-o.
- Não é daqui, certo?
- Sou brasileira, acabei de me mudar para cá oficialmente.
- Seu sotaque não é muito carregado, isso é bom.
- Obrigada, já morei em muitos países diferentes, acabei me acostumando com o tempo – olho o relógio e vejo que faltam apenas dois minutos para o táxi chegar. – Desculpa, preciso ir, mas agradeço demais por não tomar chuva, bom fim de tarde!
Saí correndo sem ouvir sua resposta, acenei e logo que coloquei o cinto, um trovão riscou o céu e as gotas de água caíram feito flechas.
- Para onde vamos, senhorita? – O motorista perguntou.
- Para a Rua Verde, 1002, na casa que vai mudar meu futuro.

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Recomeço
Roman pour AdolescentsTempo. Tudo aquilo que eu pedia era tempo. Para mim, tudo girava em torno dele. Uma das pessoas mais importantes da minha vida foi tirada de mim, sem mais nem menos. A dor é feita para ser sentida, mas quando vem com tudo, é terrivelmente assustad...