Henry
São Paulo
Brasil
18 anos
Se eu pudesse, ia atrás desses caras que mataram meu primo. A polícia disse para ficarmos fora disso, para darmos suporte um ao outro, mas é bastante complicado. Não foram eles que perderam alguém da família, não são eles que vão sentir que falta uma peça que completa o quebra cabeça, é estranho não poder mais falar com ele.
Meu pai conversava comigo sobre como aconteciam os rachas e como a maioria deles terminava: morte ou alguém se machucava. Ninguém da família jamais fez isso, mas ele infelizmente foi vítima do que mais evitávamos.
Sabe o que vai ser mais estranho daqui para frente? Não ter com quem debater sobre as estratégias de futebol americano, festas, combinar caronas, passar as férias na casa um do outro, irritar nossos irmãos com pegadinhas, virar noites no videogame. Ter com quem conversar sobre qualquer coisa ou então ficar de bobeira, marcar alguma coisa simples para fazer.
O sangue dele era o meu também, tinha coisa que contava para ele que não conseguia contar para mais ninguém, éramos confidentes, primos, mas irmãos por opção, crescemos praticamente juntos até meus pais terem que ir para mais longe e nos arrastarem junto. Fazia pouco tempo desde que Sam e ele estavam próximos, diria uns seis anos, enquanto eu, a vida toda.
Nascemos no mesmo dia, então, sempre penso que poderia ser eu a estar lá. Imagino a dor que meus tios sentem, por ser exatamente a dor que os meus pais sentiriam. Sabe aquela sensação de perder quem mais amava? Senti isso quando minha avó materna morreu e rezei para que não sentisse mais nada parecido, mas aconteceu. Aconteceu e não pude nem ao menos me despedir. Eu odiava a sensação do funeral, tudo fica ainda pior - ainda mais real. Quando soubemos, foi como se eu tivesse levado um soco no estômago, porque todos os sonhos que sabia que ele tinha, não poderiam ser realizados.
Ele não casaria com quem amasse, não teria os filhos que queria, não visitaria os países favoritos, não sentiria a energia da faculdade, não jogaria mais futebol americano. Não faria mais nada, por conta de pessoas que não tinham absolutamente nada na cabeça e que provavelmente estavam bêbadas.
Cada um sente a dor de diversas formas. Existem três estágios: a dor, a aceitação e o luto. Não sei exatamente em qual deles estou, mas continua difícil até hoje. Minha família não é muito boa no quesito união, o que já esperava. Alguns foram ao enterro só com o corpo, como se fosse uma obrigação. Odiava esse tipo de gente que se achava melhor que os outros. Chorei por muito tempo, meus olhos cravaram no caixão e não pensava em nada além de como ele se sentiu durante aqueles minutos de dor. Queria ter podido ajudar de alguma forma, estar com o vidro aberto e ter o tirado da água, qualquer coisa que pudesse salvá-lo. Posso imaginar o pânico ao saber que iria morrer, posso imaginar o medo de não conseguir se mexer, de nunca mais nos ver, de saber que toda a vida dele tinha acabado daquele jeito tão doloroso.
E eu me pergunto o porquê todos os dias. Muitas fotos nossas de épocas diferentes estão penduradas nas paredes do meu quarto até hoje. Não acho que um dia conseguirei tirar. Todo mês vou ao cemitério, converso com ele, deixo uma flor e abraço a lápide.
Obviamente choro muito, acredito ser um mal necessário, ao menos me sinto ligado a ele mesmo depois de tudo. As cenas do acidente me assombram até hoje, mesmo não tendo presenciado, sempre me arrepio.
Já faz uns seis meses que meus tios voltaram para os Estados Unidos, mas resolvemos ficar. Entrei na faculdade do país, daqui eu não saio e daqui ninguém me tira. Sam está esperando o resultado das provas de uma faculdade do exterior, para ela vai ser bem mais difícil do que para mim, eles conversavam praticamente todos os dias e andavam sempre juntos. Benjamin disse que quer ficar aqui por enquanto, porém, talvez vá seguir os passos da minha irmã. Meus pais continuam em choque e têm viajado apenas pelo país e voltam o mais rápido que podem.
Também passaram a ficar mais tempo conosco e se preocupavam o dobro quando saíamos. Eu entendo a preocupação e não falo nada. A Alicia me deu todo o suporte necessário e sinceramente me sinto mais estável. Daqui duas semanas ela chega e disse que vai morar no Brasil, que passou na mesma faculdade que eu. É reconfortante te-la novamente em minha vida, poder continuar de onde paramos e finalmente podermos namorar sem pensar em tempo e só presente.
*H*
Alicia: Cheguei!! Estou no desembarque!
Eu: Estou indo!
Fui correndo para onde ela disse e assim que a vi, corri.
- Licia! – Gritei.
Ela se virou, também correndo até mim.
- Ah, meu Deus! Nem acredito que isso esteja mesmo acontecendo, que saudades!
- Muito menos eu, vem cá! – A abracei como se pudesse correr a qualquer momento.
Já perdi muitas pessoas, mas a vida me deu uma segunda chance, vou aproveitar.
- Vamos para casa, vão adorar te rever.
- Mal posso esperar para rever todo mundo! – Sorri. – Você continua com o mesmo cheiro.
- E você com o mesmo sorriso.

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Recomeço
Fiksi RemajaTempo. Tudo aquilo que eu pedia era tempo. Para mim, tudo girava em torno dele. Uma das pessoas mais importantes da minha vida foi tirada de mim, sem mais nem menos. A dor é feita para ser sentida, mas quando vem com tudo, é terrivelmente assustad...