Beach City

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       Uma garota como Ladye não deveria ter sobrevivido. Alguém com incontáveis distúrbios e complexos, como ela, não sobreviveria nem mesmo duas semanas, certo?

       Mas ela sobreviveu.

       E como tudo isso começa? Com um começo, oras.

        Num orfanato Católico, em São Francisco. Era um dia ensolarado de verão, os pássaros cantavam, as crianças brincavam e os caminhões de sorvete espalhavam alegria por toda a cidade. Enquanto isso, uma pequena cesta trançada, era entregue anonimamente, mas, diferentemente das outras encomendas, essa chorou e berrou por horas, em frente aos grandes portões metálicos. Quando as freiras encontraram a pequena Ladye, enrolada em lençóis velhos, o bebê cessou seus gritos, através de seus olhos, uma pequena fagulha de esperança transpareceu. Ela estava, finalmente, segura e tinha escapado se um destino cruel. Bom, pelo menos, foi isso que ela pensou. O que a pobre garota não sabia, era que as freiras eram pessoas horríveis. E seus colegas de quarto, piores ainda.

- Aí vem ela! - As crianças se esconderam, rapidamente, embaixo das camas, levantando uma densa camada de poeira. Um garoto em pé, atrás da porta, equilibrava um balde cheio de água fria, esperando o momento certo. Ele chegara. Em um vislumbre, a porta se abriu e o garoto soltou a água. Acertando, em cheio, a cabeça de Ladye.

         As crianças saíram das camas onde estavam escondidas, e começaram a gargalhar e apontar o dedo para a cara encharcada de Ladye. A água fria escorrendo por seus cabelos, formando uma espécie de cascata, era algo que a azarada menina jamais esqueceria.

        Naquele mesmo dia, depois de ter levado vários puxões de orelha, beliscões, empurrões e broncas – mesmo sem ter feito nada -, algo crescia dentro dela. Um sentimento avassalador, que tomara completamente seus pensamentos. Mais do que vingança, Ladye queria paz. Ela, só... não aguentava mais aquilo. E quem aguentaria?

        Então, a pequena garota, ao anoitecer, começou a tramar seu plano de fuga. Claro, não seria como fugir de uma prisão, mas exigia certo preparo.

        Ela subiu as escadas velhas, se esforçando para não fazer barulho, correu em direção à sua cama, ajoelhando-se em seguida, buscou com as mãos sua mochila de escola. Foi até o velho armário, onde as roupas de todos eram guardadas, pegou um par de calça jeans, uma camisa branca, calçou seus sapatos e foi para a cozinha assaltar toda a dispensa. Entupiu sua mochila com biscoitos, sucos e outras besteiras. Se esgueirou, indo para a porta dos fundos, escalou a grade enferrujada, temendo cortar-se nas pontas afiadas de arame. Com o estilete que usava nas aulas, cortou algumas vinhas, para que pudesse se segurar melhor nos trançados metálicos da grade. Chegando ao fim, ela pulou para a calçada. Olhou para trás e viu a grande sombra do orfanato projetando-se em sua direção, com a luz do luar.

         E, ali, a um passo da liberdade, ela jurou a si mesma que nunca mais voltaria para aquele lugar. Saiu, sem rumo, vagando por qualquer lugar que pudesse lhe proporcionar um pouco de luz, calor ou comida.

        Depois de uma semana vagando, dormindo em becos e invadindo lugares abandonados, finalmente, achou um lugar para ficar. Acima das montanhas de São Francisco. Bom, como se intitulava, "uma pessoa que pode fazer o que quiser", Ladye olhou para a montanha distante e pensou, '' Será que consigo subir até lá?''. E foi exatamente o que ela fez. Não era bem um lar, mas Ladye tinha as estrelas, um teto, uma fogueira e fonte de água – o que mais ela poderia querer?

        Chegando ao topo, depois de uma caminhada de duas horas, sem pausa pra descanso, ela encontrou um acampamento abandonado.

        Haviam quatro troncos, uma fogueira, apagada há muito tempo, e uma barraca verde, perto de uma pilha de lenha. Ela colocou sua mochila no chão e sentou-se em um dos troncos. Pegou sua garrafinha rosa, cheia de suco de maçã, e ficou bebendo, olhando a distante São Francisco.

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