Numa manhã de atraso, o despertar tardio me fez perder o ônibus. Corri, mas o desespero era em vão para alcançar a primeira aula; o primeiro horário já se esvaíra. O relógio marcava sete e dez. Era o limiar do tempo para adentrar a sala, forçando-me a aguardar do lado de fora até a segunda aula.
Ainda nas proximidades do meu bairro, ao me aproximar do ponto de ônibus, percebi um carro parando ao meu lado. Uma voz familiar ecoou:
— Ei, princesa. Vamos? — Era Cecília, com seu sorriso habitual, indicando que estava bem e o "cansaço" havia se dissipado. — Perdeu a hora, mocinha?
— Sim, confessor — respondi. — Esse foi o preço ao dedicar meus miolos até altas horas, em preparação para a sua prova. As horas, entretanto, foram rápidas, escapando por meus dedos como fios de areia.
Ela riu jocosa.
— Oh, pobrezinha! — Sua voz adornada por um sorriso travesso que desenhava constelações ao meus olhos. — Então a culpa é minha? — disse provocativa.
— Sim, você e a gramática são musas do meu cansaço.
— Coitadinha — disse ela ironicamente, mas sua ternura contradizia as palavras.
A brincadeira persistiu, duelando a seriedade da situação. Nossas risadas eram como notas que compunham uma melodia única, revelando a essência da Cecília que eu sempre conheci.
E então, o tom da conversa mudou.
Por um instante ela amenizou o riso e contou-me haver uma sacola sobre o banco traseiro, pedindo-me para pegá-la.
Era um livro de literatura espanhola. Há tempos não encontrava um texto que liberasse tamanha emoção. Um presente para mim. A gratidão, radiante, brotou como flores em um jardim.
— Ontem durante uma de minha leituras noturnas, encontrei este livro e pensei em dá-lo a você. Espero que goste e que a leitura lhe encontre bem.
Diante do livro entre minhas mãos, senti-me envolvida por uma sensação única, como se a cada página virada, Cecília me conduzisse por caminhos novos e secretos. Era mais do que um simples presente; era um portal para compreender os pensamentos, os sentimento e as inspirações que moldavam a mulher extraordinária diante de mim.
Em resposta, prometi a mim mesma não apenas ler aquelas páginas, mas absorver cada nuance, cada emoção costurada pelo autor. O livro se tornou um elo, um laço invisível que nos unia de forma única, como se as palavras escritas fossem fios que teciam a tapeçaria de nossa amizade.
— Como posso agradecer tamanho carinho? — indaguei.
— Não me agradeça. Faz tanto por mim.
— É gratuito, acredite — sorri.
Ela colocou rapidamente os olhos para o meu rosto, depois voltou para a direção.
— Você é uma menina singular, sabia? — sua voz, carregada de admiração, ecoava como uma canção suave. Eu, surpresa pela magnitude de suas palavras, permiti-me envolver pela melodia que se desenhava.
— Eu? Por quê? — minha resposta, tingida de humildade, não conseguia esconder a perplexidade que suas palavras haviam provocado.
— Porque é diferente. Não carrega o diálogo infantil que caracteriza a maioria das pessoas da sua idade. Você pensa de maneira única, já tem uma visão de mundo peculiar. Desde que te conheço, você é assim. Seus pais têm um grande orgulho de você, e eu também.
A timidez, mais uma vez, fez-se presente. Ruborizei-me com a forma como ela falou e com o olhar que me lançava. Foi nesse momento que me vi ainda mais encantada, mesmo sabendo que ela nutria por mim um carinho inocente, como sempre teve.
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Aos olhos de Raíssa
RomanceNeste romance, conhecemos o contraponto entre o amor proibido e a inocência. Ele revela uma perigosa atração de Cecília, uma pacata professora e sua aluna Raíssa. Esse sentimento faz com que Cecília conheça um romance nunca vivido. Explorar seus mai...