Aos olhos de Raíssa

Capítulo 5 - Segredos são segredos

Encarei a xícara, a qual revelava a fumaça do café fresco. Depois daquele sonho, não consegui pregar os olhos. Da cozinha pude ouvir sussurros da sala. Meus pais falavam sobre algo e não queriam deixar-me ouvir, o que causou-me grande curiosidade.

Da copa pude escutar:

— Ele está tão diferente que não pude deixar de notar a maneira como tem tratado os assuntos da empresa. Está arisco, cheio de mistérios e completamente distinto do que o conheço. As coisas que mais me deixam embasbacado é o fato de que tem tomado decisões sem uma prévia consulta aos sócios, como se escondesse coisas — disse meu pai.

— Em que sentido além disso você se refere?

Mamãe ajeitava sua gravata e alinhava o colarinho da camisa sob o terno. Olhava atenta em seus olhos como se não quisesse deixar passar um só detalhe do assunto.

— Muitas coisas ao passo de permanecer tempo em excesso depois do trabalho sem avisar a ninguém, estando sozinho com a jovenzinha que contratou recentemente. Embora o fato possa não ter sentido algum, algo me diz que ele pincela segredos. Semana passada recebemos um contrato o qual eu sequer sabia da existência. Ele esconde documentos importantes que muitas das vezes revelam um resultado, mas dias depois aparecem diferentes, como se alguém os maquiasse.

Do meu esconderijo pude ver a expressão de minha mãe. Ela estava boquiaberta, como se não encontrasse palavras para tais revelações.

— Você tem certeza do que está me contando? Afonso não pode ser um traidor. Quer dizer, não o bom amigo que conhecemos. Ele jamais faria isso com Cecília, não é?

— São coisas que vejo nitidamente por lá. No entanto, quero acreditar que estou errado. Peço que jamais deixe Raíssa ouvir essas coisas. Por um descuido, se Cecília souber, tudo pode virar um grande pandemônio.

Confesso a tentação de desejar contar a minha professora toda a revelação, porém, não caberia a mim tais feitos.

Ao trilhar o caminho para a escola, as palavras de meus pais ecoavam em minha mente como agulhas finamente afiadas. Tentei pintar disfarces para os devaneios que dançavam em meu pensamento, consciente de que minha inquietação não deveria transparecer diante de Cecília. Era crucial silenciar e resistir, mesmo que minha ânsia por desvendar esses segredos fosse avassaladora. Sabia que desapontar meus pais seria uma ferida profunda, uma cicatriz que o tempo não apagaria.

No alvorecer do dia, o primeiro horário desvelaria uma das aulas mais ansiadas do bimestre: a avaliação da professora Balfoz. Toda a agitação que os estudos geravam em mim resultava da renomada reputação de Cecília. Ela não me concederia tratamento diferenciado em relação aos demais alunos, pois sua dedicação ao profissionalismo destacava-se.

Acomodei-me em meu lugar de costume, envolto pelo silêncio absoluto.

Cecília entrou pouco depois das sete, carregando consigo um bloco de papéis.

Senti meu coração saltitar dentro do peito a medida em que ela adentrou a classe e seguiu em minha direção. Seus olhos buscaram os meus e um sorriso desenhou-se nos lábios. Pensei em tudo o que minha consciência sabia envolvendo-a. Lembrei-me do sonho, da maneira com seus olhos me devoravam no irreal, dos dizeres de meu pai, da forma como lembrava-me dela e de como tudo realçava-se em meus sentimentos.

O silêncio na sala de aula era quase palpável quando Cecília distribuiu as folhas da avaliação. Cada estudante aguardava ansiosamente, com lápis em mãos, a oportunidade de demonstrar o que havia absorvido ao longo do bimestre.

Meu coração batia ainda mais rápido enquanto observava Cecília caminhar entre as fileiras. Seu olhar tranquilo, porém perspicaz, varria a sala, encontrando-se com os olhos de cada um. Quando chegou à minha carteira, senti um leve arrepio percorrer minha espinha. Sorriu, como se soubesse que a tensão pairava no ar. Ela depositou a folha em minha mesa, e seus olhos transmitiram uma confiança silenciosa. "Você está pronta para isso", parecia dizer.