UM MÊS DEPOIS

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Naquela semana eu não tive coragem de ir atrás do meu suposto pai, deixei algumas cartas no hotel com algumas perguntas e pedi que ele mandasse para meu endereço as respostas. Pedi também para Seu João não informar o número do meu apartamento, caso ele aparecesse por lá. Consegui contratar uma pessoa que pudesse morar na casa de Dona Ayra, para lhe fazer companhia e ajudar no tratamento. Aos domingos almoçávamos juntas e, sempre que podia, passava lá durante a semana.

As coisas no trabalho melhoraram bastante, fui promovida e mudei de sala. Todos os dias no almoço eu pedia comida pelo aplicativo e só saía do escritório na hora de ir embora. Passava maior parte do tempo com os clientes e o Ricardo. Algumas pessoas passaram a suspeitar que estávamos tendo um caso após minha promoção, mas a verdade é que Ricardo não fazia meu tipo e era um macho escroto!

Entretanto, toda sexta-feira às 17h eu ia até o parque Trianon e me sentava ao lado daquele homem. Assim que escurecia ele se levantava sem falar nada e ia embora. Isso não me assustava, mas me intrigava. Nossos diálogos eram monótonos, quase não se ouvia palavras entre nós. O pouco que se era dito quase sempre não havia sentido, eram apenas frases soltas.

— Está calor hoje — ele disse.

— Sim, está calor. Um sorvete cairia muito bem agora, não é? — Mas não obtive resposta.

O fato dele nunca responder minhas perguntas não me irritava, pois eu sabia que isso poderia mudar conforme passasse o tempo. Mas as minhas ideias de como fazê-lo falar já estavam se limitando, eu não o conhecia tão bem ao ponto de conseguir suas histórias, apenas me sentava por uma hora ali naquele banco ao seu lado esperando o momento em que ele se levantaria e partiria sem dizer uma só palavra.

Na semana seguinte ele estava usando uma camisa azul marinho, um casaco preto e um chapéu que não escondia seu rosto, mas o deixava elegante. Quando me sentei ele não se virou nem disse nada, apenas contemplava a natureza e observava quem passasse por ali.

— Você está muito bonito hoje.

— Obrigado.

— Imagina. Posso lhe fazer um convite?

— Claro. — Ele respondeu sem muito entusiasmo.

— Gostaria de tomar um café comigo? Conheço uma cafeteria ótima que fica algumas quadras daqui.

Ele hesitou um pouco, mas aceitou meu convite. Levamos quinze minutos para chegar e o caminho todo ele não disse nada, apenas assobiava uma música que eu desconhecia. Comecei a ficar ansiosa, pois esperava que fora do parque ele pudesse dizer algo. Minhas expectativas eram grandes.

A cafeteria ficava há duas quadras do parque, um lugar retrô, com cores sólidas e luz baixa, o som ambiente ia de Beatles a The Smiths e às vezes ouviam-se aquelas músicas de elevador. Pessoas de todos os tipos e idades frequentavam ali, porque eles tinham um cardápio variável de bebidas. Apesar do ambiente um pouco rústico e o som ser mais para um rock do que um pop, as pessoas iam ali para conversar e tomar café ou um chá gelado e observar quem passava do lado de fora.

Quando chegamos, ele parou por alguns segundos e analisou o ambiente e as pessoas que estavam ali. Fiquei nervosa porque não consegui identificar sua expressão facial. Ele sentiu o cheiro do café que perfumava o ar e fechou os olhos por alguns segundos, depois olhou para mim e disse que apesar do clima quente, foi uma boa escolha. E neste encontro de olhares eu pude notar que ele estava confortável e comecei a sorrir instantaneamente sem perceber.

— Onde você quer se sentar? Perguntei.

— Gosto de ficar perto da janela, para observar o movimento na rua.

Um Infinito DesconhecidoWhere stories live. Discover now