prólogo

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Taehyung abriu os olhos lentamente, deixando a luz da manhã acorda-lo aos poucos. Sua cabeça doía. Não por ressaca. Ele não tinha ressaca, não podia ter ressaca. Questionava-se às vezes como seria ter uma ressaca. Como seria ter um corpo humano cem por cento funcional e funcionante como um corpo humano.

Sentiu um movimento ao seu lado e se permitiu deixar sua visão focar no homem ali deitado. As costas desnudas com todos os músculos bem definidos; seu olhar caminhou pelo corpo do homem, passando pela bunda - o único ponto coberto pelo lençol fino de cor cinza clara - e indo até os pés. Taehyung lamberia aquele corpo inteiro, centímetro por centímetro; cada músculo, cada pelo, cada parte. Ele sorriu travesso, lembrando que já havia saciado aquele desejo na noite anterior. E que noite.

O olhar de Taehyung se moveu pelo quarto em que se encontrava e ele suspirou. Precisaria recompensar aquele cara - qual o nome dele mesmo? Taehyung não se lembrava de ter perguntado - pela bagunça. A porta branca estava quebrada, revelando a parte de dentro da madeira, alguns livros no chão, rasgados. Havia alguns travesseiros e almofadas no chão, com seus conteúdos espalhados por todo o perímetro, tornando o chão do quarto um misto de branco e amarelo preto - a cor do carpete macio que forrava o quarto inteiro. Taehyung sentou-se, tentando calcular quanto estrago havia sido feito e quanto ele deveria deixar para trás.

Enquanto se vestia, em silêncio, não reservou mais qualquer olhar para o homem deitado - claramente em sono profundo - na cama. Taehyung deixou um bolo de notas na cabeceira do homem e saiu do apartamento, agradecendo mentalmente pelo estrago ter sido reservado ao quarto e não espalhado pelo apartamento, começando a ir para sua própria moradia.

Era cedo, o sol estava começando a apontar no céu, ainda por trás de uma camada fina de nuvens, que faziam a cidade iluminada de maneira cinza. O ar ainda gélido da madrugada atingia o rosto de Taehyung, que caminhava com as mãos nos bolsos, ignorando as vibrações de seu celular, e pensava que provavelmente teria consequências em sua pele por ter dormido sem lavar o rosto. Quais eram os limites do corpo dele? Ele ainda não entendia todos.

A cidade acordava aos poucos, como em outro dia qualquer. Havia alguns carros já circulando, algumas pessoas andando sozinhas, em duplas ou grupos; pessoas voltando de festas, pessoas indo para seus trabalhos, pessoas sem rumo. Taehyung observava algumas. Um casal de um homem e uma mulher, envergonhados, de mãos dadas; Taehyung sorriu consigo mesmo, ele achava os primeiros estágios da paixão humana adoráveis.

Seu celular continuava a vibrar, quase incessante, com intervalos calculados e perfeitos. Taehyung suspirou e pensou sobre parar para comer alguma coisa. Um sanduíche, talvez? Nas suas andanças pelo mundo ele havia experimentado a maravilha do misto quente e estava com desejo de um misto quente, concluiu após algum tempo de ponderação. Mas ter o desejo do misto quente não significava poder comê-lo. Ele sentiu seu cenho franzir; não gostava de não ter seus desejos não saciados.

"Kim Taehyung!" Ele ouviu uma voz familiar o chamando. "Será que consegue atender a porcaria do telefone?" A mesma voz repetia. Taehyung revirou os olhos e pegou o celular do bolso, esperou que parasse de tocar e o colocou rapidamente em modo avião. Ele continuou seu caminho, decidido a não chegar em casa o mais rápido possível. "O Jin vai acabar com você, Tae." A voz voltou a se pronunciar antes de dar a Taehyung o silêncio que tanto queria.

Ponderou a necessidade real de parar para comer ou de pegar algum tipo de transporte para voltar para casa. Considerando o local da cidade em que se encontrava, andando chegaria em seu apartamento dentro de uma hora e meia e trinta minutos de transporte público. Ele deu de ombros e passou a entrada da estação; não seria capaz de evitar Seokjin, então adiaria o encontro ao máximo.

Taehyung sabia o que ouviria. Que ele devia ter cuidado; que teve sorte de ter sido banido, mas ter tido suas asas e algumas habilidades mantidas e não deveria abusar dela. Sua falta tinha sido inexplicável, imperdoável, segundo o Conselho. Gravíssima. Quase acima do pior dos pecados. Com a defesa de Seokjin - ou pelo menos era o que os membros do Conselho haviam alegado - Taehyung havia mantido alguns de seus privilégios, mas também sido condenado a vagar como semi-humano pela Terra.

No fundo, se o Conselho tivesse revogado todos os direitos e habilidades de Taehyung por sua ação, haveria sido iniciada uma revolução no Paraíso. E os membros do Conselho tinham esta consciência. Taehyung também, mas não questionou o veredito. Ele tinha consciência de que depois de todas as suas transgressões, era uma questão de tempo até que fosse banido do Paraíso.

Já havia um ano desde o ocorrido e até então não havia acontecido nenhum tipo de reunião sobre sua situação na Terra, o que levava Taehyung a concluir que ele não havia sido apenas banido, mas também abandonado pelo Conselho. Não era uma punição tão ruim. Anjo caído era um título um tanto... sexy - era o que Taehyung havia defendido para Jungkook e Seokjin, seus amigos que continuavam ao seu lado. Em algum lugar, lá no fundo, Taehyung se incomodava com seu banimento. Não por perder acesso ao Paraíso; não por ter, em partes, "condenado" um de seus melhores amigos - Jeon Jungkook - a ficar preso na Terra consigo - Jungkook havia ganhado muito com isso também e agradecia Taehyung constantemente. Taehyung se incomodava pelo grau ditatorial da situação.

Ele havia se envolvido com diversos humanos que guardava e que não guardava; havia feito amizade com um demônio; havia levado tal demônio aos portões do Paraíso; havia desrespeitado diversas regras, mas nada daquilo o havia condenado. Ele havia sido punido de forma leve diversas vezes, mas jamais antes de fato castigado sem volta, aparentemente sem possibilidade de redenção.

O que havia condenado Taehyung fora questionar.

Porque, aparentemente, para o Conselho, desobediência circunstancial - mesmo que em graus teoricamente graves - era uma falta passiva de ser desconsiderada, mas questionar a ordem das coisas e buscar conhecimento... Era imperdoável. Desde o início de tudo, afinal de contas. Taehyung sabia daquilo e deveria ter imaginado que sua escolha teria alguma consequência um pouco brutal. Mas ele não respondia ao Conselho; não fora existido com o propósito de responder ao Conselho e não acataria a todas as normas do Conselho sem debater.

Ele respirou fundo e sacudiu a cabeça, tentando afastar os pensamentos que não o levariam a lugar algum quando cruzou seu olhar, brevemente, com um jovem que simplesmente deu dois passos para frente, da calçada em direção ao meio da avenida, onde os carros corriam em certa velocidade, sem desgrudar os olhos dos olhos de Taehyung. Sem pensar, sem questionar, como reflexo, Taehyung simplesmente lançou-se em direção ao jovem, tendo sucesso em alcançá-lo antes de qualquer carro. Jogando-o de volta para a calçada e caindo por cima dele.

O som do freio, o cheiro de queimado, os sons das buzinas, todos pareciam longe, muito longe. Quase impossivelmente longe. E abafados. Os olhos do jovem brilharam pela primeira vez naqueles poucos segundos antes de Taehyung ser jogado para o lado com força.

"Vai se foder." Foi o primeiro som que pareceu audível e perto antes de todo o caos da avenida de fato inundar os ouvidos de Taehyung. E em poucos instantes o jovem havia levantado e ido embora, deixando um Taehyung confuso sentado na calçada para trás.

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