Hell and Heaven

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play: Ironic (Alanis Morissete)

Dois anos antes
Lauren  

A primeira coisa que odiei sobre Nova York foi aquele frio implacável. Entre um cochilo e outro, através da janela do táxi, reparei no termômetro em Manhattan marcando dois graus negativos. Ainda não há neve, mas o céu acinzentado cheio de nuvens densas aponta que não está muito tão de acontecer.

Nada de sol, nada de azul, nada do pôr do sol diário que me acostumei a admirar. Nada de lindo.

A segunda coisa que odiei sobre Nova York foi o trânsito caótico. Não que em Miami não tivéssemos coisa do tipo, mas por lá, era comum ver gente descer dos carros e ir caminhar na beira do mar até que a aglomeração diminuísse. O máximo que eu conseguiria saindo de um carro no meio da quinta avenida seria trombar em um desses cidadãos antipáticos circulando de um lado para o outro, olhos fixos no celular e um claro desconhecimento de como se diz boa noite, ou bom dia. Pessoas frias de uma cidade fria. Ninguém para te cumprimentar aos berros no meio da rua, para te fazer matar aula e ir assistir corridas ilegais em um trecho isolado da avenida interestadual.

Meus amigos não estão aqui.

Eu não sei que ganho esperando que essa merda se torne menos terrível.

Nova York não é minha casa.

E eu não queria estar nesse lugar. Não queria deixar Miami apenas porque alguém decidiu que é melhor pra mim, mas, aparentemente, se você é uma adolescente problemática que ainda depende dos pais, perde completamente o direito de opinar. Como presente antecipado de natal, ganhei uma passagem só de vinda para um lugar a dois mil quilômetros de distância dos meus dias felizes e o direito de assistir calada enquanto decidem a minha vida por mim -não que eu tenha aceitado facilmente essa merda toda. Foram duas longas semanas, batendo de frente com Clara Jauregui quantas vezes foi possível, o que só pareceu convencê-la mais de que eu preciso de um tempo longe das más influências. Como se a filha dela não fosse a porra da má influência em pessoa.

Durante quatorze dias, bebi, gastei mais do que sempre fiz, passei a deixar o cheiro do cigarro impregnado nas minhas roupas, apenas para que ela soubesse. Me acostumei a sair de casa no comecinho da noite e a voltar só na primeira hora do dia, a dormir até as duas da tarde; fui presa na semana passada por dirigir em alta velocidade e passei a noite na delegacia, depois de desacatar um policial. Fiz uma tatuagem sem permissão, surtei, me virei do avesso e aprontei o caralho a quatro, mas nada, nada impediu Clara de me chutar de volta para Nova York. Então eu jurei odiá-la, mas hoje nós choramos abraçadas, na hora de dizer adeus.

Ela diz que só quer o meu bem.

Eu não sei o que isso significa, então, porque só posso dizer que não estou nada feliz.

Passei a noite e parte desse dia inteiro bebendo com meus amigos e a ressaca ainda faz minha cabeça latejar. Até desisti de flertar com a aeromoça dos olhos bonitos, depois de vomitar em um saco de papel bem na frente dela. Dormi no avião na metade de um filme ruim, dormi no táxi assim que encontrei um casaco e desisti de praguejar o frio. Minha teoria convincente é de que a infelicidade cansa. Michael está preso no trabalho, não pôde vir me pegar no aeroporto e eu nem faço questão de fingir surpresa; quando eu tinha cinco anos e ainda vivia aqui, quando me mudei para Miami com a mamãe, depois do divórcio, em todos os meus aniversários, na minha formatura do ensino fundamental, quando precisei de alguém para me ensinar a dirigir, as coisas sempre foram desse jeito. Ele nunca estava lá. Trabalho em primeiro lugar. Não nos vemos a quase um ano e meio e eu nunca estive tão deslocada na minha vida, sozinha em uma cidade desconhecida e engolindo expectativas, depois de ter criado muitas delas envolvendo o abraço apertado que fantasiei sentir logo depois de tirar os pés do avião, mas não posso reclamar. Ele só está garantindo o nosso conforto. Está trabalhando para que tenhamos um futuro, Taylor e eu.

In My VeinsOnde histórias criam vida. Descubra agora