A.M.

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 Horas depois de eu ter precisado deixá-la ir, meus olhos ardiam de sono e eu encarava com certo orgulho as vinte e duas páginas limpas e redigitadas espalhadas entre o caos dos lençóis da minha cama. Eu tinha dores nos dedos, nas costas, um torcicolo que duraria no mínimo sete dias, a cabeça pendendo sozinha rumo ao travesseiro mais próximo e uma vontade de gritar que não era adequada para as cinco e meia da madrugada de terça.

 O próximo passo seria entregar o trabalho para Camila e consertar o meu vacilo de mais cedo, coisa que minha ansiedade não deixaria esperar até de manhã. Abrindo a minha janela e deixando o frio se espreitar para dentro, apanhei algumas pedrinhas no aquário vazio do meu falecido peixe e atirei no vidro do quarto dela.

 Meu plano infantil deu certo cinco tentativas mais tarde. Atirei uma última pedra mesmo depois de Camila ter aberto a janela, o que a obrigou desviar o corpo em um reflexo que eu não teria às cinco e meia da madrugada. A expressão em seu rosto era de puro cansaço, mesmo assim, o que cancelava minha teoria vaga de que talvez ela ainda estivesse acordada; usava um pijama largo e seus cabelos castanhos emaranhados em todas as direções enquanto ela esfregava os olhos como uma criança manhosa.

-Lauren? Aconteceu alguma coisa?

-Chegue para o lado –pedi.

 Enfiei o trabalho debaixo da minha camiseta e, em um único salto, atravessei os dois metros entre o meu quarto e o quarto dela. Camila cobriu os lábios para não gritar de susto e estendeu a mão, me ajudando a não despencar para trás e morrer feito uma batata podre.

-Você é louca! -constatou, balançando a cabeça freneticamente- Sério, agora estou preocupada. O que houve?

 Quando ergui a blusa, ela arregalou os olhos e recuou meio passo. Não pude evitar a risada enquanto lhe estendia o meu feito da noite.

-Estraguei seu trabalho, então tentei escrever tudo de novo. Provavelmente não está perfeito sem as suas últimas correções, mas a base está toda aí.

-Como...?! –ela parecia realmente surpresa enquanto foleava as páginas- Como você fez isso? As anotações ficaram comigo depois que a gente se despediu.

-Vocês fizeram todo o trabalho na cola do Sr. Kudrows. Posso não prestar atenção nas aulas, mas sei que aquele homem mantém tudo o que vocês fazem na sala arquivado em um portal de professores na internet -expliquei- A maioria dos seus relatórios estavam registrados lá. Não consegui colocar na ordem certa e uma das páginas não abriu, então você ainda vai ter um pouco de... –ela atirou o corpo contra o meu e me abraçou forte. Cerrei meus olhos, aspirando o perfume de morango em seu cabelo- ...trabalho –murmurei.

-Você não existe -balançou a cabeça, pousando as duas mãos sobre os meus ombros. Recuou para me encarar e havia um sorriso tão lindo em seu rosto sonolento que eu quis morar naquela garota- Obrigado. Eu já ia começar a ter pesadelos com isso.

-Nada mais justo que sonhe comigo agora, já que salvei a sua vida acadêmica -Camila estreitou os olhos- Mas fica ao seu critério. E não precisa me agradecer. Não sou a melhor do mundo em consertar os meus erros, mas às vezes acontece de dar certo.

-Você é realmente a primeira pessoa que ameaça meu boletim impecável sem ganhar uma passagem só de ida direto para a minha lista negra.

-O que posso fazer? -dei de ombros- Eu tenho meu charme.

-Narcisista.

-Sabe que eu não tenho a mínima ideia do que isso significa, certo?

-Serve de sinônimo para Lauren Jauregui -murmurou, se inclinando para selar os lábios na minha nuca- Não vou te beijar porque provavelmente estou com mal hálito, mas obrigado, outra vez. Pelo menos por ter se importado. Vai descansar. Te vejo na escola?

-Na verdade, eu estava considerando dormir até as três da tarde. Não é como se alguém fosse estranhar.

-Que pena -suspirou- Eu queria te mostrar uma coisa.

-Te vejo às oito, Cabello.

 Saltei facilmente de volta para o meu quarto enquanto ela ria baixinho e gravei aquela cena como algo para esfregar no meu coração quando qualquer coisa o fizer doer -contanto que não seja ela o motivo da dor.

 Acenei uma última vez e desabei sobre o meu colchão. 

In My VeinsOnde histórias criam vida. Descubra agora