Surrender

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Camila

 Enquanto a música alta tocava e meus pulmões imploravam por qualquer dose de ar que não cheirasse a maconha, eu planejava sorrateiramente me esgueirar para fora daquela festa o mais rápido possível de ir de encontro a minha cama.
 Ela provavelmente sente a minha falta e eu nunca deveria tê-la abandonado.
Nosso reencontro dramático é adiado a cada dose de bebida que Dinah atira dentro da boca, cambaleando para os dois lados antes de desabar nos braços de alguém. Fui elegida como a amiga responsável da noite depois que Taylor saiu com o namorado e alguém vai precisar segurar o cabelo das amigas sem juízo da noite quando elas estiverem vomitando o próprio fígado.
 Suspirando, dou outro gole na minha única cerveja morna e confiro as horas no celular pela milionésima vez. Quinze minutos para as duas da manhã. Shawn desliza os dedos da mão direita sobre a minha coxa em uma carícia despretensiosa, um bêbado burro desaba dentro da piscina ao tentar se equilibrar sobre o trampolim e eu encaro fielmente o único alguém capaz de livrar minha mente do tédio absoluto.
 Lauren. A olhos verdes.
 Sim, aquela que parece uma mistura de Megan Fox e Angelina Jolie com a confiança de Mary Jane e uma intensidade perceptível a quilômetros -nos gestos, nos olhos, na forma como se move.
 Lauren Jauregui.
 Talvez estivéssemos há algumas horas naquele jogo estúpido; quando ela me notava, eu desviava os meus olhos e vice e versa. Ok, semanas, na verdade. Eu aprendi e tomei gosto por provoca-la. Estive reparando na garota de Miami durante aquela noite inteira e era difícil não sorrir ao notar que minha nova obsessão não era um mal só meu.
 Nós nos conhecíamos há duas semanas. Ela já havia me visto bêbada, elogiado minha camiseta duas vezes, sorrido pra mim meia dúzia delas, sempre corremos juntas ao redor do condomínio e, mais constantemente do que parece ser possível contar, ela me encara. Não desses olhares curtos que você direciona a qualquer um e que não duram mais que alguns segundos ridículos.
 Ela me estuda. Me admira, me interpreta, tenta me adivinhar, eu tento fingir que nunca notei e que não sentia como se aquilo queimasse minha pele. O rubor no meu rosto se mascara e passa despercebido, tendo o frio de Janeiro como desculpa. Quando eu a encaro de volta, ela baixa os olhos e abre um sorriso tímido.
 Então eu me praguejo por ter olhado de volta.
 Shawn tamborila os dedos na minha perna, ansiosamente, seguindo o ritmo de algum rap rápido demais para a minha dicção terrível. Encara as garotas dançando no meio da sala com cobiça nos olhos enquanto finge que não sabe mais desejar ninguém além de mim e eu finjo que acredito -nossa relação se resumia nisso. Aparências. Dois populares que as pessoas gostam de ver juntos e nada mais, porque já faz tempo que não funcionamos bem juntos. Ele destruiu a minha capacidade de amá-lo. O sexo é cru, os beijos normais como qualquer outro, não nos importamos em estar com outras pessoas. Se nossa relação continua é porque me convém. Enquanto isso mantém os outros caras idiotas bem longe de mim, fosse por respeito ao capitão do time ou medo de se foder com a elite de alunos daquele colégio, eu não via mal algum em continuarmos juntos.

-Porra, alguém já achou aquele velho da arca? Está caindo um dilúvio lá fora -Shawn gargalhou, arrancando risadas dos cachorrinhos fiéis dele. Revirei meus olhos, controlando o impulso de socar minha cabeça contra a parede mais próxima- Mila, aquele barco do seu pai ainda está na garagem? Vai ser o único jeito de sair daqui.
-Vai me dar uma carona, babe? -Hilary questionou, vulgarmente insinuante.
-Nem preciso, meu bem. Piranhas já nascem sabendo nadar.

 Ele riu outra vez e foi ovacionado por metade dos idiotas na sala de estar, recebendo gritos de aprovação e tapas fortes nas costas. Eu me levantei antes de acabar quebrando alguma coisa na cabeça daquela puta invejosa ou do meu namorado machista.
 Atirei o resto da cerveja quente dentro da pia da cozinha e apanhei outra garrafa no cooler, desistindo da ideia de arrastar minha amiga para o quarto ao vê-la saltando na piscina junto a Normani e outros dois garotos do segundo ano. Eu não dormi merda nenhuma na noite passada, as provas de mais cedo acabaram comigo e, pela primeira vez em algum tempo, não estou com o mínimo clima para tentar aproveitar essa festa. Cerro meus olhos e considero pedir ao cara do meu lado um cigarro de maconha para ver se me acalmo assim, mas quase posso enxergar a cena de Taylor surgindo na porta da frente com uma metralhadora nas mãos, pronta para colocar um fim na minha vida. Acaba um rap com mais palavrões que tempo de música, começa outro rap com mais palavrões que tempo de música.
 Ok, quais são, realmente, os efeitos de um baseado? Positividade em excesso? Felicidade sem fundamento? Virar um lunático, conversar com postes e rir da sua própria sombra? Não é como se eu fosse precisar de uma clínica de reabilitação logo pela manhã.
 Cutuco James Young com meu indicador direito e ele ergue os olhos com desdém até perceber de quem se tratava. Eu não pretendia realmente estabelecer nenhum diálogo com ele por motivos nítidos de o cara é um idiota, então apenas respirei fundo e gesticulei para o cigarro queimando entre seus dedos magros.

-Quanto é? -perguntei, tateando os bolsos da minha saia.

 Ele piscou os olhos avermelhados algumas vezes, franzindo-os em seguida após engolir as próprias palavras meia dúzia de vezes.

-Hm, huh... Isso? A erva?

 Não, idiota. Seus órgãos.

-Sim, Young. A erva -respondi, impacientemente.

 O baque surdo contra o lado direito do meu corpo me fez desviar os olhos antes que ele respondesse, pronta para despejar toda a minha raiva da noite em quem quer que tenha sido o idiota.
 Ou a idiota.
 Definitivamente, ela. Do verbo minha alma quase fugiu do corpo.
 Engoli qualquer palavra e inclusive todo o meu fôlego ao olhar para a frente e ver Lauren lançando um sorriso sobre o ombro direito, me encarando sem receios pela primeira vez. Sim, as esmeraldas verdes são ainda mais bonitas quando não estão fugindo da mania de viajar em mim. Sim, o sorriso dela colocaria um exército no chão. Sim, eu virei um poço de hipérboles e nada ainda parece suficiente para descrever Lauren Jauregui.
 Franzi meus olhos e ela riu, revirando os dela. Piscou e enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta de couro antes de desaparecer dentro do corredor.
 Entendi aquilo como um convite.
 Sabendo que arrepios assim não atravessariam meu corpo diante de um simples olhar por motivo nenhum, eu aceitei.
 A biblioteca da casa dos Jauregui é grande o suficiente para você se perder de alguém lá dentro, mas chame de destino, sorte ou o que mais quiser, eu não demorei dez segundos para encontrá-la. Com os pés e o corpo escorados em uma das prateleiras, os cabelos negros de Lauren cobriam parcialmente seu rosto pálido e eu me perguntei o que teríamos nos duas a perder se eu simplesmente me aproximasse, esticasse a mão e o afastasse de lá.

-Camila Cabello -meu nome soava incrível na voz dela e eu me praguejei por gostar tanto daquilo- Se eu fosse seu namorado, estaria preocupado agora

 Se ela fosse, talvez eu não precisasse buscar distração com outra pessoa em uma biblioteca empoeirada.
 Dei de ombros, roçando a ponta dos meus dedos na fileira de livros perfeitamente organizada.

-Se eu fosse ele, certamente saberia que não existe a mínima possibilidade de um homem conseguir me controlar -rebati- Além do mais, não estou fazendo nada.
-Ainda não –Lauren murmurou, desafiadoramente- 

In My VeinsOnde histórias criam vida. Descubra agora