Capítulo 4

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Thea

Ele não estava lá, percebo no instante em que entro no palco. O lugar no bar, bem ao fundo, longe do olhar de quase todos, estava vazio. Por seis meses direto ele veio, mas não hoje. Isso causou um embrulho no meu estômago, mesmo que eu não soubesse exatamente o porque. Não é como se eu o conhecesse ou algo do tipo, mas mesmo assim, sua ausência me afetou.

Percebo que a música já havia começado e eu não me mexi, então começo a dançar, tentando ignorar a sensação ruim em meu peito. Noto Azura franzindo a testa para mim, mas apenas envio a ela um sorriso falso, tentando lhe transmitir confiança que estava tudo bem. 

Deixo as batidas voarem pelo meu corpo, me mexendo conforme a melodia da música. Fecho meus olhos e, como sempre, tento convencer a mim mesma que estou sozinha. Que não tenho olhares em mim. Não funciona, como sempre, mas dessa vez eu tinha um buraco crescente no estômago.

Sinto uma súbita raiva do estranho que me observava, mas me sinto boba na hora. Quero dizer, o cara era um motoqueiro que aparecia todo o dia para me assistir. Não é como se eu quisesse ele aqui ou algo assim.

Isso aí, Thea. Continue mentindo para si mesma, talvez um dia você acredite.

 Ignoro o meu subconsciente e continuo dançando até a musica acabar. Sei muito bem que essa não foi a minha melhor performasse, então quando eu e Azura saímos do palco, não me surpreendo quando Vince vem em minha direção com uma carranca.

"O que aconteceu com você naquele palco, Thea? Jesus. Fique fora da próxima, Azura dança sozinha." Merda. Hoje era sexta, dia em que eu e Az nos apresentamos duas vezes. Olho para a minha amiga com um pedido de desculpas no olhar e ela sorri, tentando me dizer que estava tudo bem.

Se dançar com alguém naquele palco era ruim, sozinha era muito pior. Me senti incrivelmente culpada, mas Azura apenas da de ombros com um sorriso no rosto, tentando me dizer que não tinha problema.

Quando a próxima música dela começa a tocar, eu me afasto e caminho em direção ao camarim, me sentindo horrível. Az estava sozinha naquele palco porque não consegui focar minha cabeça no trabalho. 

O camarim que eu dividia com Azura era o primeiro depois do palco. Outra garota costumava dividir com a gente, Jade, mas ela não dá sinal de vida a meses. Os camarins não tinham portas, as dançarinas apenas se trocavam no pequeno banheiro, se quisessem privacidade.

E foi exatamente pela falta de porta que eu pude ver o que acontecia lá dentro. Ninguém passava por aqui essa hora, então ninguém teria o visto se eu não tivesse aparecido mais cedo.

O estranho do bar, aquele que ficava me observando, estava dentro do camarim. Na sessão de Jade, para ser mais específica. Ele estava ajoelhado, olhando dentro do antigo armário da dançarina. As coisas dela ainda estavam ali, Vince não quis remover, por algum motivo.

Caminho lentamente para perto dele, sem fazer qualquer barulho. Dou graças a deus por não ter usado o salto hoje, fazendo a apresentação descalça. Não sei porque, mas não queria que ele me notasse antes de eu falar.

"Você não pode ficar aqui..." Digo, e então faço algo que acaba se tornando um erro. Eu boto a minha mão em seu ombro.

Não tive nem tempo de piscar antes de sua reação. Em um segundo, ele estava ajoelhado de costas na minha frente e, no outro, seu corpo me pressionava contra a parede oposta, e eu tinha a lâmina de uma faca contra a minha garganta, seu rosto cara a cara com o meu, sua expressão distorcida por uma mistura de raiva e... medo?

Talvez aquele não fosse exatamente o momento, mas pela primeira vez em seis meses, eu consigo analisá-lo de perto. Seus olhos eram ainda mais azuis do que eu imaginava, e seu cabelo negro era bagunçado, mais curto nas laterais do que em cima. Sua pele era bronzeada, mas não tanto, e era coberta por cicatrizes. O seu pescoço e a pequena parte do pulso e da mão que eu podia ver eram completamente cobertas por cicatrizes.

Me pergunto o que diabos aconteceu com ele, mas aí o fato de eu ter uma faca contra a minha garganta me atinge.

"Nunca mais. Toque. Em mim." Ele rosna, o suspiro de sua voz roçando em meu rosto quando ele fala. Era baixa, mas a intensidade fazia parecer como se ele estivesse gritando. "Entendeu?"

"Sinto muito. Entendi." Sussurro, os meus olhos se enchendo de lágrimas com meu medo repentino. Eu não queria morrer, porra. Ainda não.

O motoqueiro trava totalmente quando uma lágrima cai de meus olhos, escorrendo pela minha bochecha. Ele acompanha o trajeto, olhando conforme a gota de água desce, e a raiva em sua expressão vai embora, sua mão relaxando em torno da faca. Eu me acalmo, analisando a mudança repentina em sua expressão.

Quando a lágrima caí, ele rapidamente a captura com um dedo da mão que não segurava a faca que ainda estava contra minha garganta. Ele franze a testa, olhando para o seu dedo, agora levemente molhado por conta da minha lágrima, e novamente seus olhos encontram os meus.

Eu instantaneamente me acalmo, seu rosto não mais parecendo tão ameaçador. Eu ainda estava com medo pela lâmina na minha garganta, mas consigo me acalmar um pouco. Quando outra lágrima escapa, dessa vez de meu outro olho, ele não espera ela cair para capturá-la, passando o dedão levemente pela minha bochecha.

"Não chore." Ele sussurra, mas assim que as palavras saem de seus lábios, ele se afasta, guardando a faca na jaqueta. Me olha mais uma vez, e eu não consigo decifrar o sentimento em seus olhos azuis.

Segundos depois, o motoqueiro se vira e caminha para fora da cabine, indo embora como se nada tivesse acontecido, sem olhar para trás uma vez sequer.

Quando não consigo mais vê-lo, solto uma respiração que nem mesmo sabia que estava prendendo, relaxando um pouco, meu peito subindo e descendo freneticamente, meu coração batendo rápido no peito.

Suspiro e fecho os olhos, me perguntando que diabos tinha acabado de acontecer.

Rage- Flaming Reapers 5Onde histórias criam vida. Descubra agora