Capítulo III

118 15 6
                                    

Para seu alívio, e surpresa, pela primeira vez em tempos, Sofia conseguiu uma noite de sono calma e sem sonhos. Após dar boa noite à avó e tomar um banho quente, tanto a doçura das recordações de sua infância quanto o cansaço do dia puxado, não lhe deram chance suficiente de remoer o fato de quase ter se afogado na piscina. O mesmo não aconteceu na manhã seguinte. Acordou mais cedo que o normal, a mente agitada cogitando diversas explicações plausíveis.

Poderia culpar o estresse por sua rotina agitada, mas isso só seria possível se estivesse insatisfeita com ela. A verdade é que estava feliz por estar de volta à Ponte Verde, por estar perto do mar, e por poder se entregar de corpo e alma ao curso que lhe permitia o tão amado contato com a natureza. Poderia culpar o término de seu relacionamento com Lucas, mas não achava que alívio poderia ser um sentimento que lhe provocaria um apagão durante uma atividade que estava acostumada a praticar há tanto tempo. A última teoria, era a ansiedade por se ver no mesmo local em que se despedira de seu amigo de infância e não ter a menor ideia de como reencontrá-lo.

Como não teria as duas primeiras aulas naquela manhã de sexta-feira, Sofia vestiu um maiô e roupas leves, e seguiu para uma caminhada na praia. A Praia das Gaivotas ficava a alguns minutos da sua casa.

O sol havia acabado de nascer e o clima ainda era fresco. Poucas pessoas caminhavam pelo calçadão e os quiosques começavam a abrir. A areia fina, clara, era um convite para mergulhar os pés descalços, e foi o que Sofia fez de imediato tão logo se livrou dos chinelos.

Logo à frente estava o mar, a imensidão azul se exibindo em todo seu esplendor, cujo ritmo constante e regular das ondas era hipnótico, uma atração irresistível.

Estava perto de completar doze anos quando tudo aconteceu, quando fizera a promessa ao avô, a promessa que quebrara diversas vezes desde que retornara a Ponte Verde. Como não quebrá-la? Como não ceder ao desejo por aquele gigante que tanto a fascinava quanto a assustava?

"Vovô, mais uma vez peço desculpas por quebrar minha promessa. O que aconteceu quando eu era criança foi um acidente e não me afetou. Li não teve culpa. Falei isso ao senhor em vida, mas não acreditou e me levou para longe dele e do mar."

Sofia largou os chinelos na areia ao lado do vestido de malha, que acabava de tirar. A brisa provocava agradáveis arrepios e trazia o tão amado cheiro de maresia.

"Sei que deve estar decepcionado me olhando aí de cima, mas é muito forte o que sinto. O mar me atrai e parece me chamar. Entrarei muitas outras vezes, confesso, e farei essa mesma oração pedindo perdão cada vez que pisar no mar, mas é porque desejo muito que onde quer que o senhor esteja, saiba que estou bem e posso entrar no mar sem qualquer risco."

Ergueu o rosto na direção do sol, semioculto entre as nuvens, e sorriu com prazer quando a água gelada alcançou seus pés.

"Sempre vou te amar, vovô, espero que me entenda."

Sem a menor hesitação, ou qualquer sombra de arrependimento, entrou.

Cada ocasião era única e dava a sensação de ser melhor que a anterior. A água gelada, o gosto salgado, as batidas das ondas em seu corpo, todos esses estímulos eram lembretes de uma infância feliz, de sua atual liberdade e da parte de si mesma que gostaria de encontrar para poder, enfim, sentir-se plena.

A música de seus sonhos retornou, o ritmo combinado ao movimento das ondas. E foi entregue ao momento que, quando deu por si, cantarolava a melodia como quem entoa um mantra.

Risos de crianças a poucos metros de onde estava atraíram sua atenção. Uma garotinha gritava para o amiguinho, dizendo que não entraria na água, pois estava muito gelada. O garoto, então, ameaçou jogar água nela se não entrasse. Sorriu lembrando-se de si mesma e de Li, e das diversas travessuras que tantas vezes haviam praticado, desde apertar campainhas das casas e sair correndo a escrever cartas com histórias malucas e colocar nas caixinhas de correio da vizinhança.

"Prometo sempre voltar."

"As vozes do meu passado." — Levou a mão até o medalhão e o segurou com força.

"Queria que não precisasse se mudar, Yu."

As memórias eram tão claras quanto aquela manhã. O garoto pegara em sua mão, fazendo-a parar os riscos na areia e olhar para ele. Para os bonitos olhos orientais.

"Sempre vou te esperar, Yu."

"Eu vou voltar."

— Eu voltei. Estou aqui, Li, será que ainda se lembra? Afinal, faz tantos anos!

Sofia brincava com o medalhão entre os dedos.

"É incrível! Seus olhos são da cor do meu amuleto." — A voz atônita do garoto continuava em sua mente.

"Nossa! Espere um pouco: você tem um igual?" — Sofia praticamente pulara no pescoço dele para ver, quando ele retirou de dentro da gola da camiseta um talismã de jade com as mesmas características do seu.

Ele também havia arregalado os olhos, surpreso ao vê-la mostrar o seu próprio.

Da mesma forma distraída com que girava o amuleto entre os dedos, olhava para o horizonte, para a linha que dividia o mar do céu, ambos quase no mesmo tom de azul. A música de seus sonhos ainda a embalava, seguindo o ritmo das ondas. Ou talvez as ondas seguissem o ritmo da música.

"Yu, volte! Cadê você?"

Sem conseguir se conter, ela gritou para o oceano:

— Estou bem aqui. Diz pra ele que eu voltei.

As ondas pareciam escutá-la. Batiam contra o seu corpo de um jeito aconchegante, como se dançasse uma valsa cheia de giros com o mais experiente dos dançarinos. A sequência era tão envolvente, que ela fechou os olhos e se deixou levar. Permitiu seu corpo afundar e ser inundado por uma sensação de paz, de vida e de força, uma energia nunca sentida antes, quase como se pudesse respirar.

"A ária é a sua resposta."

Abriu os olhos, e mesmo sentindo o incômodo da água salgada, pareceu-lhe que seu medalhão emitia uma luz verde. Quando se deu contada intensidade, o ar escapou de sua boca e a fez emergir imediatamente — "Depois de tantos anos poderia voltar a acontecer?" — Mas para sua frustração, a pedra verde estava normal.

ÁRIA DE YU - Os Talismãs de Jade (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora