Capítulo V

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A área do refeitório apresentava poucas mesas ocupadas. Dirigiram-se ao balcão e fizeram seus pedidos: Fábia um copo de cappuccino e um pão de queijo; e Sofia um copo de café com leite e um misto quente.

Não precisaram aguardar muito tempo. Quando a atendente trouxe o pedido, o cheiro do queijo derretido fez Sofia se dar conta de como estava faminta. Havia se alimentado pouco pela manhã.

Escolheram uma mesa aleatória entre as mais afastadas, e se sentaram uma de frente para a outra. Após bebericar seu cappuccino, Fábia se jogou contra o encosto da cadeira e encarou a amiga com aquele olhar de esfinge que sempre fazia quando estava muito interessada em um assunto, mas não queria deixar transparecer, para a outra pessoa se sentir mais à vontade. Ela sempre acreditava no funcionamento dessa técnica, e sempre se enganava.

— Surpreenda-me com sua história.

Sofia sacudiu a cabeça sem conter o riso.

— Quer mesmo ouvir? Então pelo menos tentarei ser breve para não te entediar.

— Essa desculpa não funciona comigo. Eu não me entedio fácil, portanto, nada de resumos. Gosto dos detalhes. E de preferência os sórdidos também. — A última frase foi dita num sussurro dramático.

— Está bem — Sofia concordou derrotada. — E para te contrariar, não existem detalhes sórdidos.

A garota mordeu um pedaço do sanduíche. Distraída, viu se formar em sua mente imagens do passado, como se tudo tivesse começado há poucas semanas, e não há mais de dez anos.

— Sabe quando você acaba de conhecer uma pessoa e sente que já se conhecem há um tempão? — A amiga fez que sim com a cabeça. — Foi assim com o Li. Eu me sentia à vontade com ele de um jeito que eu só conseguia me sentir com a minha avó. Mas, também ia além disso, porque às vezes parecia que adivinhávamos o pensamento um do outro.

— Ownnn... que fofos! — Fábia deixou escapar com um suspiro. — Vocês são almas gêmeas.

— Ah, para com isso — bufou dando um tapinha nas mãos da amiga, que no momento se juntavam no ar em forma de coração.

— É sério, achei isso tudo muito lindo, por isso quero os detalhes. Conta desde o início, please! — Piscou repetidas vezes, fazendo charme. — Comece pelo primeiro encontro de vocês, lá no cemitério. O túmulo da sua mãe foi o Cupido, é isso mesmo?

— Que Cupido? Já falei, éramos pirralhos — respondeu entre risos. — Minha avó me levava para visitar o túmulo da minha mãe pelo menos uma vez por mês. Gostava de ir bem cedinho, porque achava mágico ver a paisagem ganhar vida quando o sol nascia, principalmente quando os ipês estavam floridos.

Naquele domingo, a avó havia deixado a menina à vontade e ido visitar o túmulo dos próprios pais. O clima frio e a umidade do ar ocasionaram a formação de uma densa cortina branca de névoa, a qual dificultava a visão geral do ambiente ao passo em que proporcionava ares de mistério.

Sofia se sentou sobre o mármore da lápide, como de hábito, e imaginou o diálogo que teria com a mãe. Narrou a semana na escola, a rotina em casa, e terminou com as perguntas de sempre, cujas respostas eram tão indecifráveis quanto o rosto de Isabel Rios na envelhecida foto.

O som de passos pisando folhas secas atraiu sua atenção. Pensou que seria Amália vindo buscá-la, mas, para sua surpresa, era um garoto. Antes de o rosto moreno de cabelos desgrenhados tomar forma em meio à neblina, um aroma de sândalo a alcançou. Sofia sorriu, encantada com a possibilidade de ser um anjo.

— Você é um espírito? — A voz incerta indicava que ele havia pensado o mesmo.

A menina soltou uma risadinha e sacudiu a cabeça em negativa.

ÁRIA DE YU - Os Talismãs de Jade (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora